Crítica e Arte
sábado, 2 de janeiro de 2021
Para 2021 Ser Feliz
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
Capítulo de Sobre a natureza das coisas, romance em processo de escritura
O Cavaleiro
Prepare o seu coração
Pras
coisas que eu vou contar
“Disparada”, Geraldo Vandré
Ele veio lá do sertão. Do interior da Paraíba, ele veio. De um lugar,
cujo nome não inspirava futuro benfazejo: Buracos, no Nordeste brasileiro.
Seca, sol a pique, xique-xique, mandacaru, urubus à espreita, esqueleto de gado
secando a céu aberto, boca aberta num sorriso grande de morte (ou estaria o
gado zombando da própria sorte?).
Às vezes, para beber água, era
preciso cavar, cavar a terra ou espremer bem espremida a raiz de uma planta que
contivesse o líquido precioso, necessário, imprescindível, mas raro naquela
região esquecida por Deus e pelas autoridades governamentais deste país a que
chamamos nosso. Nosso? Deles? E o direito à vida? Direito? Parece termo e
conceito riscados do palavreado do dia a dia daquela gente. Injustiça, essa,
sim, estava presente e era certeira, quase uma companheira. E, como o filósofo
Voltaire dizia, no já mui distante Século das Luzes, injustiça gera injustiça.
Com os pais, Vital e Francisca, abriu estradas, plantou roças, criou
cabras e galinhas. Com estacas, pás e a força de um menino que se fazia homem,
apesar do medo, apesar de todo o tempo ainda para crescer, trabalhava, até as
seis da tarde, quando o sol quase se recolhia, atrás da colina. Mas, no pouco
tempo livre que ele tinha, observava as letras desenhadas nas tabuletas
penduradas nas esparsas mercearias que lá havia, nas feiras, onde os
repentistas se apresentavam com palavras que jorravam tão harmoniosas ao som
das rabecas, das sanfonas e sonhava. Sonhava em entendê-las, em conhecer seus
mistérios, suas melodias, seus ritmos, suas sonoridades, seus sentidos e
aqueles, às vezes, longos agrupamentos de frases e de sinais ainda estranhos a
seu entendimento.
Aquele menino inteligente, tão chegado às letras, tinha, curiosamente, recebido
o nome de um conhecido poeta grego da antiguidade. Alceu, assim era chamado e
fora batizado, com óleo e sal, apesar de seus pais serem analfabetos e filhos e
netos de analfabetos.
Mas como sucedera a esse menino chamar-se Alceu?
A história é a seguinte. Vou lhes contar: seu pai Vital muito descontente
e triste com a morte de seus 12 filhos, todos eles ainda pequeninos, levados
por doenças e enterrados como anjinhos, resolveu dar um nome diferente àquele
que era o 13º filho que sua mulher gestava. Ao contrário dos outros filhos que
receberam, em homenagem à mãe e a São Francisco, se meninos, o nome de Francisco,
se meninas, o de Francisca, aquele teria nome e destino diferentes.
Um dia, tendo Vital ido à feira mais cedo do que de costume, pois havia
levantado bem antes que os galos começassem a cantar, lá encontrou um homem
muito bem vestido com um terno de um branco tão branco que reluzia apesar de o
sol ainda não ter sequer despontado naquele horizonte matutino. Não havia quase
ninguém, àquela hora, fora de suas casas. Apenas alguns poucos feirantes
arrumavam suas mercadorias nas bancadas que eles próprios construíam. Aquele homem,
porém, era diferente, não só pela indumentária que vestia. Ele arrumava, numa
espécie de mesinha, livros que retirava de uma mala e, ao ver Vital, lhe
perguntou:
- Queres este livro?
Vital, que não sabia ler uma sílaba, disse:
-Eu?
O homem respondeu:
- Sim, o senhor.
Vital, ainda sem muito acreditar naquele oferecimento, balbuciou:
- Não tenho dinheiro para comprar livro, não, senhor.
Vital, era verdade, não tinha dinheiro para comprar o livro. Até aquele
momento, não havia tido oportunidade de folhear um único livro de capa dura
sequer. Para ele, como para muitas pessoas daquela região, os livros eram
objetos distantes, mas dignos de todo o respeito e mesmo veneração.
O homem respondeu:
- Não é para comprar. É dado. Estou a lhe oferecer. Aliás, hoje, irei dar
um livro para cada uma das dez primeiras pessoas que se aproximarem desta mesinha.
Amanhã, partirei para outra cidade, depois, para outra, até chegar a João Pessoa,
onde pretendo fixar residência.
Vital, de bom grado, aceitou a oferta. Com respeito e deferência, começou
a folhear o livro e perguntou:
- De que trata, seu doutor?
O homem respondeu:
- São poemas de um grego muito
muito antigo de nome Alceu.
Alceu. Aquele nome agradou a Vital.
Pareceu-lhe forte, imponente e mesmo ligado ao céu. Foi então que ele teve a
ideia de chamar o filho que iria nascer de Alceu. Para isso, falaria com
Francisca, se ela concordasse, a criança, se menino, receberia o nome de Alceu.
Se menina, o de Helena.
O tempo passou... Amanheceu. Anoiteceu. Tornou a amanhecer e passaram-se
ao todo quarenta semanas até chegar o 21 de março daquele ano da graça de 1921.
E o curioso é que 21 de março era um dia muito especial. No hemisfério
norte, naquele tempo, trazia consigo a primavera. No hemisfério sul, o outono e
as folhas amarelecidas das castanheiras. Conforme os astrônomos, era o
equinócio vernal, ocasião em que a duração do dia e da noite é a mesma. Para os
astrólogos, é, ainda hoje, o início do zodíaco, o primeiro dia de Áries. Tais informações de sábios e de signos, Vital
não sabia. O que ele sabia, o que via com seus próprios olhos, é que seu filho,
um menino, nasceu forte, chorando a plenos pulmões e que aquele choro tão
sonoro e constante era como que promessa de vida longa e fecunda.
- Sim, é Alceu, disse Vital.
- Alceu, concordou contente e emocionada Francisca que tanto chorava como
ria com o menino nos braços. E aquele nascimento encheu aquela casa humilde de
esperança e certamente - por que não? – de alegria.
Depois de tantas mortes, de tantos caixões pequenos e brancos enterrados
a sete palmos, aquele menino parecia um milagre, um presente, uma benção de
Deus.
E ele era mesmo abençoado:
O pequeno Alceu foi crescendo forte, inteligente, cheio de vida e de
vontade de viver. Não havia canto nem objeto que o menino não tentasse
conhecer.
Uma vez, quase que apanhou uma tigela que, na verdade, não tinha nada de
tigela. Era uma cobra enrolada no canto do único cômodo da casa. Mas, bem na
hora em que o menino ia colocar a mão naquela enganosa tigela, chegou Francisca
que não só segurou o menino, como o tirou de lá e depois, com uma vassoura,
espantou a cobra para longe daquele lugar.
De outra feita, poucos anos após o nascimento
do menino Alceu, quando se espalhou, por toda a Paraíba, a notícia de que o
bando de Lampião havia saqueado Sousa, muitos ficaram temerosos de que Buracos tivesse
igual destino. Houve alarido, tumulto, muito
choro, muita vela, correria pra lá e pra cá. Homens e mulheres temiam sair de
suas casas. Mas, por aquelas bandas, para contentamento de muitos, Virgulino
Ferreira e seu bando não passaram. Os habitantes de Buracos, assim como a
família de Alceu, comemoraram quase um dia inteiro, com direito a sanfona e
acordeon. E, no outro dia, foram quase todos para a roça trabalhar de enxada na
mão e alegria no coração. Francisca ficou em casa. Havia acabado de dar à luz a
mais um filho. Desta vez, uma menina que recebeu o nome de Francisca Cota. Ao
todo, agora eram quatro filhos: três meninas (Cota, Celina e Helena, todas elas
Francisca) e o menino de nome Alceu.
O tempo foi passando. A chuva caiu
pouco. Uns pinguinhos vez por outra. O sol. Ah, o sol... Esse ardia a terra já vermelha,
quente, cheia de promessas de vida entranhadas em seu seio, por enquanto de
leite mirrado. Mas a vida continua, como dizem portuguesas e portugueses, lá do
outro lado desse mundaréu de água que chamam de mar oceano, ou teima em
continuar, como deveriam dizer, nós, brasileiras e brasileiros, nesta terra de
vera e grande e pesada cruz.
À noite, a lua enorme e branca, é
o cenário perfeito de “O luar do sertão”. Dá até para ouvir, quando se olha para
o horizonte: Não há oh gente oh não... Mas há tanta tristeza espalhada por esta
terra crispada, eriçada, maltratada pela seca. Vidas secas e minguadas pela
falta de oportunidades. Oportunidades que todo ser vivente deveria merecer e
ter. Merecer e ter são dois verbos que raramente se conjugam na mesma frase nestas
áridas terras sertanejas. Com frequência, estão separados. Difícil, muito
difícil é se encontrarem em uma linha, até mesmo em uma página, imaginem vocês,
em uma vida, em uma jornada, em uma lida. Mas há força nesta paisagem, nas
marcas profundas da caatinga que se assemelham a rugas, que o tempo também
esculpe nos rostos dos homens e das mulheres.
Euclides da Cunha estava certo: “O
nordestino é antes de tudo um forte”. Luta contra as adversidades desde o dia
em que vem ao mundo. Este mundo que é grande para uns, pequeno para outros, mas
que é o mesmo mundo que parece diferente conforme o lugar que o sujeito e a sujeita
ocupam nesta viagem a que chamamos vida.
E o tempo foi passando, porém a terra
seca, o sol sem trégua, o vento, que levanta a poeira que arde os olhos gastos
de tanto esperar o que não chega, permanecem. Dia após dia. Noite após noite.
Além da colina, no horizonte, imagens se formam tremidas, quase se desfazendo,
como se estivessem fervendo numa frigideira a céu aberto a esperar as aves
mirradas que ensaiam voos logo abandonados, num aborto perpetrado com a ajuda
do homem que é lobo do homem e de tudo o que vive e não gira em torno de seu
umbigo e de uma quase entidade chamada mercado que transforma quase todas as
coisas e quase todos os seres que habitam a Terra em mercadoria, em morte, como
um rei Midas que a um leve toque de sua mão maldita se condena à esterilidade
de uma riqueza sem serventia. Sim. A falta de água torna a terra um grande
sepulcro a espera de corpos.
E por causa da grande seca, Vital e Francisca foram, um
dia, levando um carro com dois tonéis vazios, puxado a jegue, em busca de água
para seu lar. Não tardou muito, um
forasteiro mal apessoado adentrou pela casa da família. Olhou. Assuntou, porém
Alceu bem mais que depressa gritou: - Papai, pega a garrucha!
O homem não quis saber de mais nada. Saiu voado, desesperado a correr, a
fugir. Pernas pra que te quero. Nem ao menos olhou para trás. Sumiu. Não deixou
notícia ou pista de seu paradeiro. Não se sabe até hoje quem era ele. Nunca
mais apareceu por aquelas bandas. Pelo menos, é o que se sabe.
O menino Alceu, com astúcia e coragem desmedidas, defendeu sua casa, suas
três irmãs e a si mesmo do perigo.
Os pais estavam longe, muito longe. Não imaginavam o que seus filhos
haviam passado.
Quando chegaram, com os dois tonéis de água cheios e muitas saudades em
seus corações, depois de levarem o jegue para pastar, Vital e Francisca ouviram
de seu filho mais velho a história da garrucha e mal puderem acreditar.
Os dois agradeceram a Deus por terem um filho tão sabido como Alceu. Teve
cantoria. Teve ladainha. E naquele dia, todos, naquela casa pequenina, dormiram
como se habitassem um paraíso, como se o sertão fosse um mar de bonanças e de
promessas de fartura e de contentamentos sem fim.
O tempo passou e Alceu completou 10 anos. Dez anos, o tempo que Ulisses
levou para regressar à Ítaca, aos braços de Penélope.
Apesar de ainda não ter frequentado
escola regular, o menino sabia ler, escrever, fazer contas elementares e
principalmente sonhar com tempos melhores. Olhava a colina e perguntava a si
mesmo: o que há ali adiante? O sol para lá vai todos os dias. Quero saber o que
há ali adiante, depois da colina.
Numa noite de lua cheia, desses luares que não ficam nada a dever ao da cantiga
de Catulo da Paixão Cearense e de Luiz Gonzaga, o pai de Alceu demorou a
retornar à casa.
Francisca, com medo de ter acontecido algo de ruim a Vital, cobriu os
ombros com um xale, deixou a filha mais velha, Francisca Helena, cuidando das
duas menores e chamou Alceu para acompanhá-la.
Era noite de lua cheia – como já dissemos- mas ventava e o vento fazia um
barulho semelhante àqueles dos filmes de terror. Os arbustos com seus galhos
secos, que mais lembravam garras, pareciam se esticar na tentativa de
alcançarem Francisca e Alceu.
Francisca, acostumada a andar por aqueles caminhos tormentosos – era ela
que levava comida a seus pais, que também trabalharam na roça –, só pensava em
encontrar Vital. Não tinha tempo de deixar crescer o medo que por ventura
guardasse no peito.
Alceu olhava sua mãe que caminhava ligeira e destemida por aquelas veredas
que pareciam esfumaçadas e mesmo saídas de um grande caldeirão de bruxaria. Mas
não era magia. Era a ação do vento que não cessava de soprar e de espalhar pela
noite adentro a terra seca.
De repente, apareceu contra a luz a figura de um homem que, montado num
cavalo, conduzia três cabeças de gado. Era Vital, o cavaleiro, que havia ido
atrás do gado que se dispersou da boiada.
Alceu admirou seu pai com orgulho e, por instantes, olhou sua mãe e percebeu a alegria que ela sentia por ter encontrado Vital assim tão sobranceiro. Vital desceu do cavalo, levantou Alceu e o colocou no cavalo, dizendo com um sorriso que iluminava todo o rosto e, na imaginação de Alceu e também na de Francisca, rivalizou com a lua e também iluminou aquela noite: – Aqui está o cavaleiro. E os três seguiram para a casa, Vital e Francisca a pé, Alceu a cavalo, e mais o gado recolhido por Vital. O vento parou ou pareceu parar de soprar e a grandeza daquele momento povoou por muito tempo o coração daquele menino dando-lhe forças para prosseguir nesta viagem que chamados vida (continua, espero que em formato livro)
Ceila Maria Ferreira
Num Congresso, na UFSC, muito antes da pandemia Foto Andreia Ferreira |
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Reflexões, nestes tempos de pandemia, no aniversário do escritor Germano Almeida
Vivemos tempos quase que inacreditáveis.
Parece que fomos inserid@s, sem aviso
prévio, sem consentimento, numa espécie de ficção sem fim. Mas não. É real:
Pandemia.
Morte de mais de 90 mil pessoas no
Brasil, um país que vem sendo vorazmente sacrificado por aqueles que praticam
uma política que violenta a terra e a maior parte das pessoas que aqui vive ou
sobrevive.
Muito triste.
E no meio dessa tristeza, algumas
lembranças, assim como a literatura, conseguem, como a água para as plantas do
deserto, vivificar esperanças. Talvez um dia, quem sabe, o sonho de todas e de
todos que lutaram por um mundo melhor seja transformado em realidade. Mas, para
isto, é preciso que a história da Maria, da Emília, do Ernerto, do João, da
Severina, da Margarida, do Afonso, da Sofia, do José, do Joaquim, da Carolina
não se perca num silêncio nada inocente, alimentado por uma elite que não se
condói com o sofrimento alheio.
Porém, nesta sexta-feira, 31 de julho,
veio, de Cabo Verde, uma notícia que me alegrou: hoje é dia do aniversário do
escritor Germano Almeida, ganhador do Prêmio Camões, em 2018. Ele está
completando 75 anos. Viva Germano Almeida! Viva Cabo Verde!
Já faz tempo, tive o prazer de orientar uma Dissertação de Mestrado, de Augusta Évora Tavares Teixeira, também
escritora, que tratava da obra de Germano Almeida.
Precisamos, sim, ler escritoras e
escritores de Cabo Verde. Hoje, inclusive, Augusta Évora está participando do
lançamento de um livro de contos de Mário Loff, em Tarrafal.
Chego perto da janela do meu quarto, olho para
o céu. De repente, ouço o som que vem
possivelmente de uma tv e penso: parte
considerável da mídia, no Brasil, não fala de muito do que é importante para
nós, brasileiras e brasileiros, inclusive, o que fala dos demais países da América Latina, por exemplo, é pouco. De Cabo Verde, de Angola, de Moçambique e do restante da África de
língua portuguesa, menos ainda. É quase inacreditável, mas é realidade. Porém,
não estamos condenados a não nos conhecermos nem a nossas irmãs e nossos
irmãos. Como diz a canção de Ivan Lins e Vitor Martins: depende de nós:
terça-feira, 30 de junho de 2020
Nas proximidades da primavera, que, um dia, irá chegar
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Um livro, um instrumento musical e O Que Fazer?
Nestes tempos de pandemia,
em que o Brasil cada vez mais vive uma espécie de pesadelo – morte de mais de 1000 pessoas por dia,
vítimas de COVID-19; devastação da Amazônia ; o país desacreditado; autoritarismo exacerbado; ataques à educação pela tentativa de implementação da EAD até mesmo
no ensino presencial público; desigualdade galopante; fomento à misoginia, ao
racismo, à homofobia – é muito triste.
Neste momento, em que a
ameaça do crescimento do fascismo assombra o futuro do nosso país e de nós
mesmos, eu me lembro de uma fala de meu pai que, certa vez, me disse: "Ceila,
quem tem um livro, nunca está sozinho".
Lembro-me também de uma frase de Carolina
Maria de Jesus: “Quem não tem amigo, mas tem um livro, tem uma estrada.”
Recordo-me ainda de palavras de Caetano
Veloso, em uma entrevista (ainda me lembro delas): “quem sabe tocar um
instrumento, nunca está sozinho”.
Um livro. Um instrumento musical.
Infelizmente, ainda não sei tocar um
instrumento musical. Pretendo aprender. Contudo, ainda não foi possível, apesar
da vontade.
Outra lembrança: quando ainda era criança, fui
a um concerto de piano com meu pai. Lembro-me que chorei de emoção e que me
alegrei imensamente de ouvir aqueles sons e que pensei, inclusive, em ser pianista.
Mas, minha mãe não gostou da ideia. Acho que o piano, para ela, tinha um quê de
sujeição, de obrigação que ela não queria para mim. Então fui buscar alento num
livro de Cecília Meireles. E para a minha surpresa, quantos sons havia lá! Fiquei
maravilhada! Na altura, já tinha me apaixonado pela literatura e aquele livro (Ou Isto ou Aquilo) aprofundou aquela minha paixão que há muito se transformou em
amor.
É muito difícil eu não estar acompanhada por
um livro. Antes dessa pandemia, quando pegava o metrô, tinha um ou dois livros na
bolsa em caso de querer variar de leitura durante o trajeto e só parava de ler,
quando algum músico, entrava no vagão, e começava a tocar uma canção, algumas vezes
do nordeste ou de alguma outra parte da América Latina.
Quantos sons, quantas
histórias que nos aproximam e que nos mostram que não estamos sozinhos e que
somos mais fortes do que parecemos ser.
No momento, estou lendo O Que Fazer?, de
Nikolai Tchernychevskii, em tradução de Angelo Segrillo, publicada pela Expressão
Popular, neste ano de 2020 (a primeira tradução desse romance, para a língua portuguesa, foi realizada pelo próprio Angelo Segrillo e saiu em 2015). E esse livro, que fez muita gente pensar e
contribuiu para que muitas e muitos agissem, tendo influenciado a Revolução Russa, nos transmite algo muito
importante, e, hoje, podemos dizer, vital: esperança na possibilidade de
construção de um novo mundo, sem perder a poesia, sim, como na passagem em que
Dmitriï Sergeevitch Lopukhov fala à Vera
Pavlovna:
[…] Não é estranho que você entenda e
guarde no coração esses pensamentos que seus livros não podiam descrever-lhe
claramente, Seus livros forma escritos por pessoas que estudaram esses
pensamentos quando eles ainda eran pensamentos. Esses pensamentos pareciam
surpreendentes, maravilhosos, e só. Mas agora esses pensamentos são visíveis na
vida real e foram escritos outros livros por outras pessoas que acham esses
pensamentos bons, mas que não há nada de surpreendente neles. E agora, Verinha,
esses pensamentos estão no ar, como aroma nos campos quando as flores
desabrocham. Penetram em toda parte. […]” p. 111-112.
Uma obra
que coloca em discussão outras obras da literatura mundial e que nos apresenta
uma personagem como Vera Pavlovna, muito a frente de seu tempo ou do que
imaginamos ter sido seu tempo, que, quando lemos o livro, também é o nosso
tempo. E Vera, a Verinha, continua a nos
propor algo novo. E não só ela, mas outras personagens também.
Recomendo vivamente a
leitura desse livro que, a cada dia, me surpreende e me convida a pensar, assim
como, tenho certeza, a muit@s que irão lê-lo, pelo tema tratado,
pela maneira que a história é contada em suas páginas, assim como pela proposta de literatura e
de sociedade nele presentes.