Somente a enorme dificuldade de divulgação de novos e de não tão novos
talentos literários que há neste país pode justificar que o grande público
ainda não conheça o nome de thiago luna
thiago luna, apesar do nome grafado em minúsculas, é um dos mais talentosos escritores da nova
geração de brasileiros que ainda teimam em publicar, apesar do pouco incentivo
que há para a produção literária no Brasil.
Em sua nova novela, “O mar e o rio de Jacó”, thiago trabalha o formato
que o texto ganha na página em branco e reproduz, por meio da formatação das
negras letras na alva página, o fluxo das águas do mar para o rio. E há quem
possa estranhar a direção do fluxo das águas nas páginas escritas por thiago,
mas esse fluxo também é uma materialização da imagem das regras, dos limites
com que temos que aprender a conviver para que possamos viver neste mundo tão
desnaturalizado e para que possamos nos comunicar e fazer uso (e ler e escrever
literatura) com a língua que herdamos de nossos pais e que nos é apresentada
sem as devidas ressalvas de que somos nós, seus falantes, também quem a mantém
viva e a faz viver em tudo o que falamos, pensamos, sentimos e colocamos por
escrito, obedecendo e burlando suas normas, um espaço fixo, mas não tão fixo, a
ponto de ser elástico e moldável ao mesmo tempo e pelos tempos que houver
falantes e leitores da nossa língua portuguesa que também nos tem e que é parte
integrante de nós mesmos.
Essa metamorfose da língua em ser (e do ser em língua) está também
presente na história narrada em “O mar e o rio de Jacó” que dialoga com o
Gênesis– mais especificamente com a criação da vida por Deus e a história de
Adão e Eva– assim como com o Evangelho de João e o belíssimo início: “No princípio era o
Verbo [...]”, com o Banquete, de Platão; com o rio de Heráclito, com
parte significativa da tradição literária que chegou até nós.
Sim. Nas páginas de “O mar e o rio de Jacó”, o fluxo das águas se mistura
ao fluxo do pensamento, das sensações escritas e da tradição que acompanham as
transformações do narrador que, como a água, não tem uma forma fixa: é peixe, é monstro, é homem apaixonado
admirado amando a mulher que, muitas vezes, parece ser mais forte do que ele.
Ela: uma espécie de Eva, mas sem a carga da culpa original que à Eva é atribuída
pela cultura na qual estamos imersos. E o amor entre o homem e a mulher é visto
como se fosse o original, o primeiro – e por que original, sagrado - que de
certa forma também sustenta o mundo, formado, a sua maior parte – assim como
nossos corpos – de água. Contudo, num certo momento da narrativa, ocorre um
corte ou o início de uma narrativa muito diferente da que até aquele momento
flui nas páginas escritas por thiago. Tal narrativa, nessa passagem,
sintomaticamente fala de uma cidade – uma metáfora da civilização? – mas,
parece um sonho. Tem mesmo o efeito semelhante do provocado pela leitura de
obras como O Castelo, de Kafka. Porém, tal efeito é atingido pela
colagem ou sampler de (segundo o próprio thiago) “O Diário de Moscou”,
de Walter Benjamin que é incorporado pelo texto de thiago (e reescrito por
ele), que dialoga com a narrativa das origens da vida, das transformações por
que passa o narrador, num tempo muito antigo e muito moderno de discursos que
se mesclam (ensaio, ficção) e se modificam e se transformam como diz o narrador
de “O mar e o rio de Jacó”: “nada é fixo nem imóvel no coração senão a própria
correnteza”.