Certa
vez, José Saramago disse que escrevia porque não queria morrer. Com o tempo, mudou
e passou a escrever para compreender o que é um ser humano.
Agora em outubro, mais precisamente no
dia 8, o escritor Luiz Ruffato proferiu um discurso na abertura da Feira do
Livro de Frankfurt, evento que teve o Brasil como país homenageado. Nesse discurso, o autor de Eles eram muitos cavalos trouxe a
público aspectos pouco nomeados e constantemente silenciados do dia a dia em
solo brasileiro e da história do nosso país, um país onde, como disse Ruffato,
“[...] o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora [...]”[1].
As
palavras proferidas por Ruffato naquele discurso de abertura se irmanam com a
visão de Literatura expressa por escritores como Lima Barreto, o criador de
Isaias Caminha, por exemplo, e mais do que isso, tornam mais evidente que a
Literatura não é feita apenas, como queriam e postulavam alguns, por meio do
exercício do privilégio do significante sobre o significado e que o escritor
tem algo a dizer, algo que vai muito além de um mero jogo de metalinguagem.
Filósofos
como Sartre, hoje tão esquecidos em muitos dos meios acadêmicos brasileiros, na
área de Letras, já atentavam para o papel do intelectual em países da periferia
de um mundo quase todo dominado pela lógica do capital. Contudo, na atualidade,
ainda é mantida a hegemonia de um conceito de Literatura muito ligado ao
isolamento e ao distanciamento das palavras dos seres humanos e do mundo real,
mundo esse transformado por alguns em quimera, em praticamente impossível de
ser conhecido pela razão e pelos sentidos. Dizem alguns, parafraseando Fernando
Pessoa: “o poeta é um fingidor”. Porém se esquecem dos versos que seguem aquele
primeiro verso de “Autopsicografia”: “Finge tão completamente/ Que chega a
fingir que é dor/ A dor que deveras sente”.[2]
Além disso, os mesmos corifeus de uma Literatura desligada do mundo, defendem
que esse tipo de Literatura é a Literatura na sua totalidade, que não existe
Literatura além disso. Ou seja, tomam uma parte pelo todo.
Há muitas formas de Literatura, assim como há
muitos tipos de escritores e de escritoras, alguns se mantêm em silêncio sobre
a conjuntura atual, mesmo tendo acesso aos meios de comunicação mais
tradicionais, aliás, meios esses bastante fechados no Brasil. Outros, tomam a
decisão de falar e consideram, assim como Ruffato, escrever um compromisso.
Dizia
Isaias Caminha, citando Taine, na “Breve Notícia” que abre as suas Recordações: “[...] a obra d’arte tem
por fim dizer aquilo que os simples fatos não dizem”.[3]
O
que alimenta a Literatura? O que dá vida às palavras?
Podemos
dizer: a própria vida que é movimento constante e constante transformação. Mas
a vida não está livre e imune das condições materiais de existências dos seres
vivos sobre a Terra. Não. Não está. E tais condições são também matéria da
Literatura, mas não toda a Literatura, que abraça muitas formas de fazer e de
construir textos e seus autores e suas autoras não se dividem entre escritores
e escreventes, como consta em livros vindos de longe, cultuados ainda hoje no
Brasil, pelo simples fato de optarem por um papel ativo, revolucionário na
transformação do mundo.
Um
escritor não é menor por querer compreender o que é um ser humano, por
considerar escrever um compromisso. Saramago e Ruffato são bons exemplos desses
tipos de escritores.
Está
na hora de a nossa crítica literária e de as nossas Universidades se abrirem
verdadeiramente ao diálogo entre diferentes correntes teóricas e práticas
literárias, sem que haja o esquecimento daqueles, daquelas e daquilo que lhes
seja diferente e mesmo antagônico.
O
inferno pode ser os outros, mas eles também são a nossa salvação[4].
[3]
In: LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Recordações
do Escrivão Isaias Caminha. Rio de Janeiro: A. de Azevedo, & Costa,
1917, p. XI.
Realizamos
uma transcrição crítica atualizada da frase que citamos. Mantivemos o apóstrofe
por uma questão de musicalidade do texto,
[4]
Referência a uma famosa frase de Sartre: “O inferno são os outros”.