I
O Cavaleiro
Prepare o seu coração
Pras
coisas que eu vou contar
“Disparada”,
Geraldo Vandré
Ele veio lá do sertão. Do interior da Paraíba, ele veio. De um lugar,
cujo nome não inspirava futuro benfazejo: Buracos, no Nordeste brasileiro.
Seca, sol a pique, xique-xique, mandacaru, urubus à espreita, esqueleto de gado
secando a céu aberto, boca aberta num sorriso grande da morte (ou estaria o
gado zombando da própria sorte?).
Às vezes, para beber água, era
preciso cavar, cavar a terra ou espremer bem espremida a raiz de uma planta que
continha o líquido precioso, necessário, imprescindível, mas raro naquela
região esquecida por Deus e pelas autoridades governamentais desse país a que
chamamos nosso. Nosso? Deles? E o direito à vida? Direito? Parece termo e
conceito riscados do palavreado do dia a dia daquela gente. Injustiça, essa,
sim, estava presente e era certeira, quase uma companheira. E, como o filósofo
Voltaire dizia, no já mui distante Século das Luzes, injustiça gera injustiça.
Com os pais, Vital e Francisca, abriu estradas, plantou roças, criou
galinha, porco, o que dava para comer. Com estacas, pás e a força de um menino
que se fazia homem, apesar do medo, apesar de todo o tempo ainda para crescer,
trabalhava, até as seis da tarde, quando o sol quase se recolhia, atrás da
colina. Mas, no pouco tempo livre que ele tinha, olhava as letras desenhadas
nas tabuletas penduradas nas esparsas mercearias que lá havia, nas feiras, onde
os repentistas se apresentavam com palavras que jorravam tão harmoniosas ao som
das rabecas, das sanfonas e sonhava. Sonhava em entendê-las, em conhecer seus
mistérios, suas melodias, seus ritmos, suas sonoridades, seus sentidos e
aqueles, às vezes, longos agrupamentos de frases e de sinais ainda estranhos ao
seu entendimento.
Aquele menino inteligente, tão chegado às letras, tinha, curiosamente, recebido
o nome de um conhecido poeta grego da antiguidade. Mas como sucedera a esse menino receber tal nome?