A
primeira vez que ouvi falar o nome Klee, referente a Paul Klee, foi por meio da leitura de Sobre o conceito da
História, de Walter Benjamin, com tradução de Sérgio Paulo Rouanet. Nesse texto,
o filósofo alemão, no fragmento 9, diz:
[...] Há
um quadro de Klee que se chama Angelus
Novus. Nele está desenhado um anjo que parece estar na iminência de se
afastar de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, seu
queixo caído e suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu
semblante está voltado para o passado. Onde nós
vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula
incansavelmente ruína sobre ruína e as arremessa a seus pés. Ele gostaria de
deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas a tempestade sopra
sobre o paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que o anjo não pode
mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao
qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até
o céu. É a essa tempestade que
chamamos progresso (BENJAMIN, 2012, p. 245-246).
E, pelo
que temos vivenciado em nosso país, é muito difícil lermos o supracitado texto
de Benjamin, como também observarmos o também citado quadro de Paul Klee e não
relacionarmos tal texto e tal quadro com formas de denúncias de opressões e de
barbáries que, apesar de seus autores não estarem mais entre nós, nos legaram
suas obras que continuam a acalentar esperança na capacidade de indignação do ser
humano diante das opressões e da barbárie e a nos dizer que não estamos
sozinh@s, inclusive a nos lembrar daqueles e daquelas que viveram, que sonharam
e que lutaram antes de nós.
Sim.
Diante do que temos vivido no Brasil (crescimento da extrema-direita e de
vários processos de destruição, como: aceleração do desmatamento da floresta
amazônica; invasão de territórios de povos originários; ataques à saúde e à educação
públicas; aniquilamento de direitos trabalhistas; processo de desmonte da
previdência social; fortalecimento do autoritarismo, da intolerância, do
descaso com a vida, especialmente da juventude negra, assim como da epidemia de
desesperança, essa última também alimentada por parte da mídia, para não
citarmos mais e mais ações que estão operando o que podemos chamar de
desmantelamento do Estado brasileiro, assim como da Constituição de 1988, que recebeu
o epíteto de Cidadã) é muito difícil não relacionarmos a época em que Benjamin
e Klee viveram com os tempos sombrios de hoje.
Diante do que estamos vivendo e também
pela necessidade mais do que premente de, num país como o nosso, escovarmos,
como disse o filósofo alemão, a história a contrapelo, tenho lido
recorrentemente textos de Walter Benjamin, em traduções para o português, e
estou cada vez mais interessada no processo de gênese e de transmissão de sua
obra.
A respeito de Paul Klee, no dia 11 de
agosto, fui, com minha filha Susana, à exposição de parte de sua obra, no
Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio.
O título da exposição, “Paul Klee –
Equilíbrio Instável”, dialoga e muito com como grande parte de nós se sente
hoje.
A exposição vai de desenhos feitos por
um Paul Klee ainda menino para passar
diretamente para a fase em que ele já havia se iniciado em técnicas de desenho
mais apuradas. É impressionante a passagem do Klee criança para o artista que
já começa a estudar sistematicamente a técnica pictórica, apesar de o artista
almejar, segundo informação que consta num dos escritos que fazem parte da
exposição, “uma naturalidade da expressão pictórica e uma redução à essência
[...]”. O artista passa também para técnicas de desenho do corpo humano, com
estudos de anatomia, para partir para uma arte mais abstrata em que Klee se debruça
sobre o sonho, numa influência do Surrealismo, não abandonando a denúncia da
opressão e do autoritarismo.
Destaco
aqui também a parte em que são mostradas técnicas utilizadas por Paul Klee. Ou
seja, o artista também como estudioso e pesquisador do seu ofício, numa
aproximação da arte com a ciência.
Outra parte bastante interessante é a que
apresenta fantoches feitos por Klee para seu filho, numa aproximação da arte
com o jogo, a representação.
E por
falar em jogo, a exposição tem uma proposta de não podermos voltar à sala de que
saímos, durante, pelo menos, a visita que estivermos fazendo naquele momento. Se
quisermos retornar à sala anterior, teremos que iniciar uma nova visita, numa
espécie de representação de fluxos da vida, do tempo e de momentos que compõem
a vida. Além disso, há uma frase de Paul Klee, presente na exposição, que diz:
“A arte não reproduz o visível; ela torna visível” numa tradução de uma das
propostas da obra de Paul Klee que continua a ser uma espécie de luz –
utilizando, aqui, nesta postagem, uma imagem presente no Prefácio de Homens em tempos sombrios, de Hannah
Arendt - na atualidade, e nos ajuda a perceber os tempos sombrios e formas de resistência
e de enfrentamento, hoje, 2019, na vida cotidiana e na arte.
“Paul
Klee, Equilíbrio Instável” já passou pelo CCBB das cidades de São Paulo e do Rio
de Janeiro. Agora está no CCBB de Belo Horizonte (MG), na Praça da Liberdade,
até 18 de novembro.
Referências:
ARENDT, Hannah. Prefácio. In:
---. Homens em tempos sombrios.
Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 9.
BENJAMIN, Walter. Sobre o
conceito da História. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e
história da cultura. Obras Escolhidas I. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. 8 ed.
São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 245-246.