sábado, 31 de agosto de 2019

"Paul Klee, Equilíbrio Instável"


A primeira vez que ouvi falar o nome Klee, referente a Paul Klee,  foi por meio da leitura de Sobre o conceito da História, de Walter Benjamin, com tradução de Sérgio Paulo Rouanet. Nesse texto, o filósofo alemão, no fragmento 9, diz:

[...] Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Nele está desenhado um anjo que parece estar na iminência de se afastar de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, seu queixo caído e suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu semblante está voltado para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as arremessa a seus pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas a tempestade sopra sobre o paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até o céu. É a essa tempestade que chamamos progresso (BENJAMIN, 2012, p. 245-246).

E, pelo que temos vivenciado em nosso país, é muito difícil lermos o supracitado texto de Benjamin, como também observarmos o também citado quadro de Paul Klee e não relacionarmos tal texto e tal quadro com formas de denúncias de opressões e de barbáries que, apesar de seus autores não estarem mais entre nós, nos legaram suas obras que continuam a acalentar  esperança na capacidade de indignação do ser humano diante das opressões e da barbárie e a nos dizer que não estamos sozinh@s, inclusive a nos lembrar daqueles e daquelas que viveram, que sonharam e que lutaram antes de nós.
Sim. Diante do que temos vivido no Brasil (crescimento da extrema-direita e de vários processos de destruição, como: aceleração do desmatamento da floresta amazônica; invasão de territórios de povos originários; ataques à saúde e à educação públicas; aniquilamento de direitos trabalhistas; processo de desmonte da previdência social; fortalecimento do autoritarismo, da intolerância, do descaso com a vida, especialmente da juventude negra, assim como da epidemia de desesperança, essa última também alimentada por parte da mídia, para não citarmos mais e mais ações que estão operando o que podemos chamar de desmantelamento do Estado brasileiro, assim como da Constituição de 1988, que recebeu o epíteto de Cidadã) é muito difícil não relacionarmos a época em que Benjamin e Klee viveram com os tempos sombrios de hoje.
         Diante do que estamos vivendo e também pela necessidade mais do que premente de, num país como o nosso, escovarmos, como disse o filósofo alemão, a história a contrapelo, tenho lido recorrentemente textos de Walter Benjamin, em traduções para o português, e estou cada vez mais interessada no processo de gênese e de transmissão de sua obra.
         A respeito de Paul Klee, no dia 11 de agosto, fui, com minha filha Susana, à exposição de parte de sua obra, no Centro Cultural Banco do Brasil, no centro do Rio.  
        O título da exposição, “Paul Klee – Equilíbrio Instável”, dialoga e muito com como grande parte de nós se sente hoje.
        A exposição vai de desenhos feitos por um Paul Klee ainda menino para  passar diretamente para a fase em que ele já havia se iniciado em técnicas de desenho mais apuradas. É impressionante a passagem do Klee criança para o artista que já começa a estudar sistematicamente a técnica pictórica, apesar de o artista almejar, segundo informação que consta num dos escritos que fazem parte da exposição, “uma naturalidade da expressão pictórica e uma redução à essência [...]”. O artista passa também para técnicas de desenho do corpo humano, com estudos de anatomia, para partir para uma arte mais abstrata em que Klee se debruça sobre o sonho, numa influência do Surrealismo, não abandonando a denúncia da opressão e do autoritarismo.  
Destaco aqui também a parte em que são mostradas técnicas utilizadas por Paul Klee. Ou seja, o artista também como estudioso e pesquisador do seu ofício, numa aproximação da arte com a ciência.
 Outra parte bastante interessante é a que apresenta fantoches feitos por Klee para seu filho, numa aproximação da arte com o jogo, a representação.
E por falar em jogo, a exposição tem uma proposta de não podermos voltar à sala de que saímos, durante, pelo menos, a visita que estivermos fazendo naquele momento. Se quisermos retornar à sala anterior, teremos que iniciar uma nova visita, numa espécie de representação de fluxos da vida, do tempo e de momentos que compõem a vida. Além disso, há uma frase de Paul Klee, presente na exposição, que diz: “A arte não reproduz o visível; ela torna visível” numa tradução de uma das propostas da obra de Paul Klee que continua a ser uma espécie de luz – utilizando, aqui, nesta postagem, uma imagem presente no Prefácio de Homens em tempos sombrios, de Hannah Arendt - na atualidade, e nos ajuda a perceber os tempos sombrios e formas de resistência e de enfrentamento, hoje, 2019, na vida cotidiana e na arte.
“Paul Klee, Equilíbrio Instável” já passou pelo CCBB das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Agora está no CCBB de Belo Horizonte (MG), na Praça da Liberdade, até 18 de novembro.  


Referências:

ARENDT, Hannah. Prefácio. In: ---. Homens em tempos sombrios. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 9.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da História. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas I. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. 8 ed. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 245-246.



                                               Foto do hall do CCBB, no Rio, em 11/08/2019

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Stella Leonardos


Volto a postar neste Blog, apesar de andar bastante desanimada com a situação do nosso país. Vivemos tempos sombrios. Porém, é preciso resistir e, para resistirmos, nada melhor do que fazermos o que mais gostamos: no meu caso, escrever e ler; ler e escrever. Então, lembrei-me que, no dia 1o de agosto, faria aniversário a grande escritora Stella Leonardos. Faria, porque, para tristeza daquelas e daqueles que a conheceram, ela faleceu neste ano de 2019.
Stella era uma das grandes incentivadoras de escritoras e de escritores iniciantes e que ainda não haviam conseguido a tal almejada divulgação da obra, coisa tão difícil neste país marcado por opressões e desigualdades, e ela permanece como uma das mais diversificadas e importantes escritoras que o Brasil já produziu.
Dramaturga, romancista, poetisa, Stella Leonardo legou à posteridade uma vasta obra e tinha um vasto coração. Foi, durante muitos anos, Secretária Geral da União Brasileira de Escritores –RJ e não se cansada de ler originais, escrever orelhas, segundo ela, asas, conforme aprendera com Homero Homem, e prefácios de livros, apesar de também dedicar-se à realização de sua extensa obra que mereceu elogios de um dos nossos maiores poetas. Seu nome: Carlos Drummond de Andrade. [1]
 Idealizou o Projeto Brasil. Desse Projeto, publicou em torno de 56 livros.
 Stella, além de ter sido uma estudiosa da literatura, era pesquisadora de várias línguas, além de também debruçar-se no estudo do folclore e da história do Brasil.
Recebeu vários prêmios literários, inclusive no exterior.
Participou também das famosas reuniões na casa de Plínio Doyle: os Sabadoyles.
Praticou o que chamamos de sororidade.
De Stella, podíamos falar muito mais. Porém é preciso ouvir a voz de sua Poesia, ainda mais nestes tempos de tanta desesperança e de tamanha intolerância com as diferenças; de ataques aos povos originários, de destruição do meio ambiente; de poluição das águas, boa parte delas outrora potáveis, outrora sinônimas da vida. Um detalhe: a poesia de Stella trabalha também com a materialidade do poema. No caso, a disposição tipográfica lembra o vai e vem das águas de um rio onde há mudança, permanência, fecundidade, acolhimento, aconchego e germinação de vida.
Com vocês, uma parte de Irmão Índio e Irmã Água, XII – Terras de Tocantis: Até Sempre:


  Adeus, fraterno convívio
                dos longínquos araguaias,
 dos índios de quatro etnias
                das terras de Tocantins


Adeus, amigos indígenas
      do respeito compartido.

Vou-me. Mais do que visita
           alguém que aprendeu saudade
 antes mesmo da partida. [2]

 






[1] Sobre orelhas de livros como asas, essa informação foi colhida na página 17 de LEONARDOS, Stella. UBE: algumas notas saudadeadas. In: RenovARTE. Revista da União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, no. 1, p. 17-26, 2008. 
       Para a capa da Revista RenovArte foi fotografado, por Marlene Fonseca Lima, o quadro Stella Leonardos, de Israel Pedrosa. A arte da capa da referida revista é de Fernando Teixeira. Tais informações podem ser lidas na própria Revista RenovArte, número 1.
[2] LEONARDOS, Stella. Irmão Índio e Irmã Água. Projeto Brasil – Água. Goiânia: Kelps, 2010, p. 30.
      Fotografamos, para este Blog, tanto a capa da Revista RenovArte quanto a do livro de Stella aqui citado.