Sim. A vida é frágil. É o que percebemos no decorrer desta pandemia, assim como, por exemplo, numa UTI neonatal, como a da foto que faz parte da exposição “O Tempo das Mulheres”.
Fotografia de Alfredo Cunha |
Essa foto me tocou em particular,
porque estive, durante quase três meses – foi em 2002 -, visitando diariamente,
fizesse sol ou chuva ou vendaval, uma UTI neonatal. O motivo de tais visitas:
minha filha Andreia nasceu prematura de seis meses e graças a tod@s @s
profissionais que trabalhavam naquela UTI, a do Hospital São Vicente de Paulo,
na Tijuca, Rio de Janeiro-RJ, ela, a
Andreia, está hoje aqui, tem 17 anos e muitos sonhos, apesar de o Brasil não nos dar muitas razões
para sonharmos e acreditarmos num futuro melhor, em que tod@s tenham acesso a
serviços de saúde de qualidade, só para citar um daqueles que deveriam ser
direitos fundamentais e inalienáveis dos seres humanos.
Nestes tempos de pandemia de COVID-19,
vemos e sentimos efeitos de políticas de implementação de teto de gastos e de
congelamento de investimentos em saúde e em educação. Não há testes suficientes;
não há respiradores suficientes; não há leitos em UTIs suficientes para atender
a tod@s.
Por outro
lado, vemos e sentimos a importância das universidades, dos institutos, dos
centros de pesquisa, dos hospitais, a grande maioria públicos, para o socorro à
população e à descoberta de uma vacina que nos livre desse novo coronavírus.
Em um país de
dimensões continentais como o Brasil - nem em qualquer outro -, não podemos
continuar vivendo como se a maior parte da população estivesse perpetuamente
condenada à exclusão. É preciso urgentemente trabalharmos na construção de um
mundo justo, verdadeiramente democrático. Como disse o Papa Francisco “era
ilusão pensar “que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”. [1]
Hoje, eu
escrevo, inclusive, para espantar a morte para bem longe daqui e para bem longe
de tod@s nós, como a contadora de histórias das Mil e uma noites fazia para
continuar viva há muitos e muitos anos e continua e continuará a fazê-lo para
quem lê e ler suas histórias.
No Brasil,
estamos vivenciando uma espécie de filme de terror ao vivo e a cores com
consequências nefastas para o presente e o futuro da maior parte de nós.
Contudo, a literatura nos ensina que “nada é impossível de mudar”, como dizia
Brecht.
Segundo Antonio Candido, em O direito à
literatura: “ A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como
todo articulado […]”.[2]
E por falar em palavras, elas acompanham as fotografias, os vídeos, a
disposição das imagens que compõem a exposição “O Tempo das Mulheres”, a que me
referi no início deste texto.
Nessa exposição, as salas do Museu de
Lisboa, nos arredores da Praça do Comércio, banhada pelo Tejo, não escondem que
foram minuciosamente escolhidas para abrigar “O Tempo das Mulheres”. Sim, há
interação harmoniosa entre arquitetura, fotografias e palavras escritas, lidas
e ouvidas. E o “O Tempo das Mulheres”, que gerou também uma publicação, lançada
no dia da inauguração da exposição, é um tempo de inclusão, não ainda total, o
que está espelhado nas fotografias que são de autoria de um homem, o fotógrafo
Alfredo Cunha, e os textos que foram escritos por uma mulher, a jornalista Maria
Antónia Palla, uma das grandes defensoras dos direitos das mulheres, em
Portugal, conforme podemos ler no site citado nas notas desta postagem.[3]
Texto de Maria Antónia Palla |
Fotografia de Alfredo Cunha |
Praça do Comércio, Lisbo |
Se isso não bastasse, a exposição de que falamos, comemoração dos 50 anos de carreira de Alfredo Cunha, é dividida em etapas ou estações da vida, cada uma delas localizada em compartimentos diferentes: a infância, a juventude, a idade adulta e a velhice, essa última chamada de folhas caídas (numa alusão à obra homônima de Garrett? não sabemos). Ainda sobre essa etapa, a velhice, ela tem início em uma sala que possui um portal mais estreito do que os das outras salas, talvez, uma referência ao menor número de pessoas que chega a tal fase da vida. E não poderiam faltar recordações da Revolução dos Cravos nas fotografias, no vídeo que passa, ao som de “Grândola Vila Morena“ (terra da fraternidade) e hoje, vejo no calendário, é 25 de abril. Lembro-me das palavras de Benjamin: “[…] os calendários não marcam o tempo do mesmo modo que os relógios. Eles são monumentos de uma consciência histórica […]”[4]. Recordo-me, mais uma vez, que nada é impossível de mudar e sinto, um cheirinho de alecrim[5] e a vontade de dar vivas à Revolução de Abril: (continua)
O Tejo e, ao fundo, a Ponte 25 de Abril, Lisboa, Portugal |
[2] CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In:
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 4 ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas
Cidades/Ouro sobre Azul, 2004, p. 177.
[4] Benjamin, Walter. Sobre o conceito da história. In: Benjamin, Walter. Magia
e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 250.