No
dia 27 de dezembro, fui, com minha filha Susana, ao cinema, em Botafogo, para
assistirmos a “Uma noite de 12 anos”. Íamos ver antes um filme brasileiro
baseado na famosa peça de Oduvaldo Vianna Filho, “Rasga Coração”, mas, para
nosso espanto, o filme dirigido por Jorge Furtado já havia saído de cartaz, no
Rio de Janeiro, apesar de ter estreado, aqui nesta cidade, se não me falha a
memória, no dia 6 de dezembro. Lamentei porque ainda é muito difícil para as e os
cineastas brasileiros manterem seus filmes em cartaz neste país - cadê o
incentivo à produção nacional ? - e, além disso, o brilhante e profundo texto
de Vianinha traz à luz dos nossos dias histórias que muitos parecem querer que
sejam esquecidas, como, por exemplo, a da ditadura civil, empresarial, militar
que teve início em 1964 e durou 21 anos.
Pois
bem, o filme que assistimos, “Uma noite de 12 anos”, do cineasta Alvaro Brechner, tem início, como se
estivéssemos diante de um livro que é lido por todas e todos nós ou de um filme
que guarda muitas semelhanças com uma história que ficou guardada na memória,
mas que, chegada a hora, foi passada para as telas e que, por não esconder tais
aproximações, expõe algumas de suas interseções, entre elas uma epígrafe, parte
que costumamos ver presente em livros. A do filme foi buscada em “Na colônia
penal” de Franz Kafka. E, nesse sentido, ativa nossa atenção para as temáticas
do arbítrio, do absurdo e da importância de se resgatar a memória de uma
histórica que se baseia, segundo o próprio letreiro que vemos na tema, numa história
real e acrescento, numa história real que permaneceu, pelo menos para nós brasileiros
e brasileiras, silenciada durante longo tempo. Lembro aqui das palavras de
Chomsky que diz que as pessoas, hoje, não acreditam mais em fatos, porém, a
história que vamos assistir na tela, é parte da trajetória de vida de uma
pessoa muito admirada aqui no Brasil e, tenho certeza, que em várias outras
partes do mundo. Seu nome: José Alberto Mujica, ex-Presidente do Uruguai. Então,
esse não acreditar é transformado pelo efeito da empatia em uma aproximação, um
parar para ouvir aquela história que nos é apresentada e que guarda tantas
relações com a história do Brasil. Contudo, em “Uma noite de 12 anos”, o
protagonismo não está restrito à personagem Mujica. Ela divide o protagonismo
com as de Eleuterio Fernández Huidobro e de Maurizio Rosencof, não tão conhecidos aqui no Brasil. Os três
permaneceram presos, em condições extremamente desumanas, durante 12 anos da
ditadura que perdurou no Uruguai durante os anos 1973 e 1985.
O
filme nos toca em cheio, pois além de destacar com sensibilidade a grandeza das
personagens principais (lembrei-me de uma passagem da Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, em que os
autores falam da dificuldade de se aprisionar a mente humana) e de contribuir
para resgatar nossa esperança no ser humano, temos, hoje, presos políticos em
nosso país, como o ex-Presidente Lula, e funciona como um despertador da
memória de histórias também ocorridas em nosso país durante a ditadura civil-empresarial-militar de 1964-1985, parte dessa história também presente em
“Rasga Coração”.
Curiosamente
também o título do filme que em espanhol tem início com o artigo definido feminino
singular (la), em português, passa a artigo indefinido feminino singular (uma),
numa espécie de índice, creio que não intencional, de algo que não se
restringiu ou restringe àquele momento e que se repete ou pode repetir.
Ao sairmos do cinema, neste final de
2018, nas vésperas de um Ano que aponta para algo de muito sombrio no Brasil, nos
habita um sentimento de esperança, pois vemos a grandeza, o poder de imaginação
e de resistência presentes nas três personagens principais e em outras que
também resistiram, além da importância do afeto, do amor e que pode demorar, mas
a noite termina e, no caso do Uruguai, depois de uma longa noite, veio um tempo
em que esse nosso querido vizinho de América Latina é como que um farol ou uma
estrela, numa imagem mais apropriada para o final de ano e início de outro, que
nos ilumina.
Tenhamos esperança. Sim. Um 2019 de
esperança, saúde, amor, poesia e resistência para todas e todos nós.