segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Uma noite não é a eternidade


No dia 27 de dezembro, fui, com minha filha Susana, ao cinema, em Botafogo, para assistirmos a “Uma noite de 12 anos”. Íamos ver antes um filme brasileiro baseado na famosa peça de Oduvaldo Vianna Filho, “Rasga Coração”, mas, para nosso espanto, o filme dirigido por Jorge Furtado já havia saído de cartaz, no Rio de Janeiro, apesar de ter estreado, aqui nesta cidade, se não me falha a memória, no dia 6 de dezembro. Lamentei porque ainda é muito difícil para as e os cineastas brasileiros manterem seus filmes em cartaz neste país - cadê o incentivo à produção nacional ? - e, além disso, o brilhante e profundo texto de Vianinha traz à luz dos nossos dias histórias que muitos parecem querer que sejam esquecidas, como, por exemplo, a da ditadura civil, empresarial, militar que teve início em 1964 e durou 21 anos.
Pois bem, o filme que assistimos, “Uma noite de 12 anos”, do cineasta Alvaro Brechner, tem início, como se estivéssemos diante de um livro que é lido por todas e todos nós ou de um filme que guarda muitas semelhanças com uma história que ficou guardada na memória, mas que, chegada a hora, foi passada para as telas e que, por não esconder tais aproximações, expõe algumas de suas interseções, entre elas uma epígrafe, parte que costumamos ver presente em livros. A do filme foi buscada em “Na colônia penal” de Franz Kafka. E, nesse sentido, ativa nossa atenção para as temáticas do arbítrio, do absurdo e da importância de se resgatar a memória de uma histórica que se baseia, segundo o próprio letreiro que vemos na tema, numa história real e acrescento, numa história real que permaneceu, pelo menos para nós brasileiros e brasileiras, silenciada durante longo tempo. Lembro aqui das palavras de Chomsky que diz que as pessoas, hoje, não acreditam mais em fatos, porém, a história que vamos assistir na tela, é parte da trajetória de vida de uma pessoa muito admirada aqui no Brasil e, tenho certeza, que em várias outras partes do mundo. Seu nome: José Alberto Mujica, ex-Presidente do Uruguai. Então, esse não acreditar é transformado pelo efeito da empatia em uma aproximação, um parar para ouvir aquela história que nos é apresentada e que guarda tantas relações com a história do Brasil. Contudo, em “Uma noite de 12 anos”, o protagonismo não está restrito à personagem Mujica. Ela divide o protagonismo com as de Eleuterio Fernández Huidobro e de Maurizio Rosencof, não tão conhecidos aqui no Brasil. Os três permaneceram presos, em condições extremamente desumanas, durante 12 anos da ditadura que perdurou no Uruguai durante os anos 1973 e 1985.
O filme nos toca em cheio, pois além de destacar com sensibilidade a grandeza das personagens principais (lembrei-me de uma passagem da Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, em que os autores falam da dificuldade de se aprisionar a mente humana) e de contribuir para resgatar nossa esperança no ser humano, temos, hoje, presos políticos em nosso país, como o ex-Presidente Lula, e funciona como um despertador da memória de histórias também ocorridas em nosso país durante a ditadura civil-empresarial-militar de 1964-1985, parte dessa história também presente em “Rasga Coração”.
Curiosamente também o título do filme que em espanhol tem início com o artigo definido feminino singular (la), em português, passa a artigo indefinido feminino singular (uma), numa espécie de índice, creio que não intencional, de algo que não se restringiu ou restringe àquele momento e que se repete ou pode repetir.
         Ao sairmos do cinema, neste final de 2018, nas vésperas de um Ano que aponta para algo de muito sombrio no Brasil, nos habita um sentimento de esperança, pois vemos a grandeza, o poder de imaginação e de resistência presentes nas três personagens principais e em outras que também resistiram, além da importância do afeto, do amor e que pode demorar, mas a noite termina e, no caso do Uruguai, depois de uma longa noite, veio um tempo em que esse nosso querido vizinho de América Latina é como que um farol ou uma estrela, numa imagem mais apropriada para o final de ano e início de outro, que nos ilumina.
           Tenhamos esperança. Sim. Um 2019 de esperança, saúde, amor, poesia e resistência para todas e todos nós. 

2 comentários:

  1. Texto bom de ler nesta madrugada do primeiro dia do ano, depois da despedida de 2018, o "ano professor", como cravou certeira uma amiga, trazendo as aprendizagens para justificar a esperança e o amor com que afinal fazemos a poesia e a resistência. Bom recado, Ceila. Ainda não vi o filme, mas vou.

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  2. Ione, muito obrigada pela gentileza do comentário. Fico feliz de saber que você verá o filme. Beijos.

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