quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobral ou Uma Flor Nasceu no Asfalto

Na semana passada, fui ao cinema, com minha filha de 11 anos, assistir a “Sobral: o homem que não tinha preço”, de Paula Fiuza.
A sala não estava cheia e algumas das pessoas que lá se encontravam teciam comentários sobre o respeitado advogado, hoje, um tanto esquecido pelo menos até o lançamento desse filme.
Na tela, vejo imagens do grande Comício que aconteceu no Rio, na Candelária, no início da década de 80 do ainda recente século passado. Imagens que foram filmadas do asfalto e também do alto trazem para os dias de hoje aquela cena e fazem com que ela volte a minha memória. De repente, a voz de Sobral ecoa: “Todo o poder emana do povo” e eu me lembro da emoção que senti quando, naquele dia de abril, com vinte e poucos anos, ouvi Sobral Pinto falar para uma multidão de um milhão de pessoas naquele lugar que transbordava sonhos de democracia.
Foram tempos de sonho, de luta, de esperança, mas também de uma das sucessivas crises financeiras do capitalismo. Contudo, havia a convicção de que o Brasil ia mudar e para melhor. Mas muita coisa permaneceu e nosso país ainda é um dos mais desiguais em termos de distribuição de riquezas na Terra.
A respeito de Sobral, minha filha pergunta: - Esse homem existiu?
Respondo: - Sim, existiu. E penso como foi que chegamos à situação em que nos desencontramos: uma atmosfera asfixiada pelo acirramento do capitalismo e das condições extremamente desfavoráveis para o pleno desenvolvimento dos seres humanos.
            O filme traz sim a sensação de que houve uma quebra que separou aqueles anos 80 dos dias de hoje. Anos em que um senhor da idade e do prestígio que tinha Sobral na altura não se intimidava de andar, pelas ruas do Rio, com simplicidade e simpatia.   
Lembro-me que pouco antes ou pouco depois daquele dia memorável, do Comício das Diretas no Rio, avistei, como de costume, Sobral Pinto andando pelas ruas do centro da cidade. Ele ia com um amigo e apesar da minha timidez, pedi um autógrafo ao grande advogado que atendeu ao meu pedido, mas antes perguntou se eu era aluna de Direito. Disse que não. Que era aluna de Letras da UFRJ.
Passados esses anos, vejo a sua imagem na tela do cinema.
         Sobral expressava a sua opinião com liberdade e colocava em prática o seu senso de justiça incomum. Senso de justiça que o fez defender pessoas que não pensavam como ele, atitude, aliás, raríssima hoje em dia.
        No filme, segundo crítica de Daniel Schenker, estampada em O Globo, “A falta de distanciamento talvez tenha levado a uma certa idealização”. Mas, a meu ver, não há falta de distanciamento e o ponto de vista adotado no filme, realizado por uma neta de Sobral, e até os depoimentos que lá estão presentes indicam ao espectador que a maior parte das pessoas que falam naquele filme foi afetada positivamente por Sobral Pinto. Contudo, o que torna esse documentário interessante e mesmo importante para quem deseja compreender melhor os dias de hoje, - e fiquei feliz por ter levado minha filha para assisti-lo - além é claro da rememoração da própria figura pública – e, por vezes, íntima - de Sobral, é que atualizando (trazendo) as imagens e sons de um passado recente, porém ainda pouco divulgado nos dias de hoje, nos ajuda a compreender e a estranhar situações bastante atuais, como as que manifestam o acirramento, em nossos dias, do que Guy Debord chamou de sociedade do espetáculo, por exemplo.  Além disso, são vários os períodos da história do Brasil evocados no filme e a maior parte deles – fica evidente na tela - foi marcada por ditadura, por autoritarismo, por injustiça, por exclusão.
              Hoje, quase quarenta anos depois do golpe de 64, temos a Comissão da Verdade e discussões sobre ela; uma maior (mas ainda não satisfatória) aproximação com países da América do Sul, e, lembrando os versos do Poeta, “uma flor nasceu no asfalto”, as passeatas voltaram às ruas do Rio (e de várias cidades do Brasil). Mas, para quem vê “Sobral – o homem que não tinha preço”, fica difícil não aproximar as Jornadas de Junho e de Julho daquelas um milhão de pessoas que aparecem na tela, por meio das imagens do Comício das Diretas, e de muitos dos que lutaram pela liberdade e pelos direitos humanos em nosso país.