terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Alícia e Alice


Uma surgiu da carne. A outra, da fantasia.
Alícia adora fechar os olhos e sonhar acordada, dormindo.
Alice prefere correr pelos campos repletos de margaridas.
Uma vive distante de quase tudo. Não chora, não ri.
A outra é curiosidade. Faz perguntas, quer saber.
De dia, Alícia estuda, arruma o quarto, lê histórias da carochinha, navega na Internet.
De noite, Alice vem visitar os sonhos de Alícia.
(De dia também, quando há alguma notícia ruim ou quando o mundo
parece não ter mais lugar para crianças como Alícia).
Alícia é feita de prosa.
Alice, de poesia.
Uma adora ficar escondidinha.
A outra prefere passear livremente pelo País das Maravilhas
(- Olha lá o Coelho Branco, o Chapeleiro Maluco e o sorriso do Gato, ou será a lua?...)
Em uma noite (destas que ninguém esquece...)
Alícia encontrou Alice no meio da floresta.
(Talvez Alice estivesse procurando sua gatinha, a Diná).
Mas Alice não parava de caminhar floresta adentro.
Olhava para os lados. Procurava, procurava (ninguém sabe o quê).
De repente, Alice desapareceu e Alícia surgiu em seu lugar.
O sol iluminou seu rosto.
Já era hora de acordar.
Alícia pulou da cama.
Abriu a janela. Admirou as margaridas e:
- O mundo não era mais o mesmo...
(talvez fossem seus olhos ou, quem sabe, os olhos de Alice).


 Originalmente publicado em Talento feminino em prosa e verso II. São Paulo: Scortecci, 2004, p. 26.  Agora é postado aqui com pouquíssimas alterações.