domingo, 25 de novembro de 2012

25 de novembro

Hoje, 25 de novembro, é o dia do aniversário daquele que muito trabalhou a língua portuguesa e que também lutou por um mundo melhor: Eça de Queirós!
Vida longa à sua obra e à sua memória!

domingo, 14 de outubro de 2012

A respeito de uma matéria do Prosa & Verso deste sábado...


 

 

Li, no Prosa & Verso deste sábado, dia 13 de outubro, na página 2 do referido Caderno de O Globo, numa matéria sobre a presença da literatura brasileira na feira de Frankfurt, a seguinte frase: “Hoje, autores com menos de 40 anos despertam uma atenção no mercado internacional inimaginável anos atrás”.

Achei curiosa a afirmação e pensei: será que os escritores – e, por extensão, a literatura por eles produzida – teriam prazo de validade? Após os quarenta, tais autores não teriam mais como despertar a atenção de leitores de outras línguas que não o português?

Será mesmo que um grande número de autores com menos de quarenta tem facilidade de divulgação de suas obras neste país e lá fora?

Será que a qualidade e a força inovadora da literatura têm a ver com a idade com que seu autor ou sua autora a produziu?

É claro que não. Inclusive, na referida matéria, há uma fala do editor John Freeman, que diz o seguinte: “ – A literatura brasileira definitivamente está crescendo, mas para mim isso não significa que está melhor. A diferença é que ela tem canais para ser exportada, como o da “Granta” [...]”.

Nada contra as escritoras e os escritores citados na matéria, mas um autor ou uma autora podem amadurecer com o passar dos anos e com o exercício constante da arte de escrever. Podem também ver secar a sua inspiração. Inspiração hoje tão desvalorizada como componente da criação artística, mas tão fundamental quanto o trabalho de limar a forma e de fazê-la parecer a mais natural possível ou não (se o escritor assim não a pretender). Ou seja, idade não tem nada a ver com qualidade literária.

 Acerca da maior facilidade de divulgação no exterior, será que grande parte dos escritores e das escritoras de nosso país encontra facilidade de divulgação de suas obras até mesmo no Brasil?

               Creio que não e não poderia ser diferente, pois vivemos em um dos países mais desiguais da muito desigual América Latina em termos de distribuição de renda e de acesso a direitos básicos (e não tão básicos) do ser humano. Por que, em termos de literatura, seria diferente?  Não, não é.  

 Quando penso na matéria do Prosa & Verso, tanto na questão idade como na questão da divulgação, lembro-me que Machado de Assis publicou na Revista Brasileira o que foi um divisor de águas na sua produção literária (e na literatura brasileira), Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando tinha 41 anos. Também, Eça de Queirós, quando publicou pela primeira vez em livro Os Maias, tinha mais de 40 anos. Tinha 43.  A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras nem as chegou ver publicadas em livro, pois tais obras foram publicadas nesse formato após a sua morte, ocorrida quando o escritor contava com 55 anos.  

Citei esses dois escritores, mas poderia ter citado outros, como José Saramago, por exemplo, pois tanto Eça como Machado foram, enquanto viviam, publicados fora de suas pátrias (isso, no século XIX - um projeto da UNICAMP fala sobre a divulgação de livros no século XIX, se eu não me engano, é coordenado pela Professora Márcia Abreu) e continuam a ser divulgados no exterior, inclusive pelo trabalho de professores universitários brasileiros e portugueses que dão cursos nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Também o crescente estímulo à tradução no Brasil – inclusive com um Programa de bolsas da Fundação Biblioteca Nacional, a abertura de disciplinas de Teoria da Tradução em Universidades Federais e a maior mobilidade acadêmica – contribuem para esse estado de coisas, mas será que isso representa realmente maior divulgação em termos reais e maior acesso dos escritores e das escritoras nacionais à divulgação de suas obras tanto aqui como lá fora?     
     

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Outra passagem de A Mulher do Dia


Capítulo XIX – Encontro

 

Sônia já saiu. Sem perguntas. Sem respostas. Deixou apenas o calor de seu corpo que alimenta por algum tempo a minha alma.

O que eu dou a ela? Não sei.

Sou prisioneiro de mim mesmo. Não consigo habitar as casas das mulheres com quem durmo. São como cavernas de Hades. Vales de sombras. Brumas. Névoas. Quimeras.

Guardo lembranças de um passado vivido numa ilha no meio do Atlântico. Passeios pela Estrada das Doze Ribeiras. Tardes no Monte Brasil a visitar o Castelo de São João Baptista. O olhar perdido a espera de embarcações que nunca chegam. O vento nos cabelos do menino que fui. O cheiro do mar. Solidão.

Preciso abrir as janelas. Trazer alguma luz ao meu dia. (O calor de Sônia já se foi).

Desligo o laptop. Recordo-me do poema de Antero. (Mais luz!) Visto uma roupa apropriada para sair. Minh’alma insular alimenta-se de viagens que nunca fiz. Sim. Uma caminhada pelas ruas de São Paulo. É tudo o que preciso para colocar meus pensamentos em ordem. Daqui a poucas horas, começa a conferência que preparei sobre Antero. Não há tempo, sinceramente, para reminiscências. Olho o meu rosto no espelho, ajeito os cabelos, pego os papéis da conferência e bato a porta. (A vida continua). Apesar de o elevador estar disponível, desço um a um os andares. Doze ao todo. Deixo a chave na portaria e sigo em direção ao Metro. Passo pelas Alamedas. Dirijo-me à estação Trianon-Masp. Uma voz mecânica desafia o meu espírito de liberdade: “É proibido ultrapassar a faixa amarela”. (“Eu sei. Poucos parecem não saber”.) De volta à superfície, caminho pela Paulista. A multidão assusta e embriaga. Cheiros, cores, rostos de inúmeros feitios e procedências provocam em mim uma estranha sensação: a liberdade invade-me, momentaneamente, e se dissolve na chuva fina.

Continuo o meu caminho. Procuro algo que faça o tempo parar. Tenho 49 anos. Minhas mãos ainda são fortes, rijas, mas guardam muitos segredos. De repente, uma mulher esbarra em mim. Nossos olhos encontram-se. Deixo cair os papéis que levo comigo. Ela ajuda-me a recolhê-los. Aproveito à oportunidade, pergunto o seu nome. Ela diz: Eliana. E sem dar-me tempo para mais uma pergunta, pega um táxi e desaparece no meio da cidade imensa.

domingo, 7 de outubro de 2012

Sobre a Obra de Simone de Beauvoir ou Liberdade e Responsabilidade


 

Faz tempo – década de 80 – fui apresentada por uma grande amiga, hoje, professora da UERJ, ao livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.

Lembro-me de que fiquei muito impactada com aquelas páginas, apesar dos quase quarenta anos que nos separavam. Ora, O Segundo Sexo (volume I) fora publicado, pela primeira vez, em 1949, na França, pela Gallimard, mas ainda naqueles dias – e acredito que também hoje - sua leitura é transformadora até mesmo para os que o criticam pejorativamente.

 A corajosa verbalização do papel relegado pela sociedade à mulher como o Outro, papel esse assumido por muitas de nós até a atualidade, pelo menos em alguma fase de nossas vidas, tem entre os efeitos que promove o de provocar estranhamento e reconhecimento em suas leitoras que, mesmo não assumindo a responsabilidade de suas vidas, não se viam como Objeto. Eram alienadas de sua própria condição, mas, por meio da leitura daquele livro, reconheciam e repugnavam sua maneira de ser no mundo. 

A emblemática frase, “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, dá a medida do tom polêmico atingido pela escritora e filósofa francesa. Mas esse tom era necessário para acordar toda uma sociedade que – de certo modo – levada às mulheres ao sacrifício da renúncia de suas potenciais personalidades que nem sequer chegavam a desenvolver. Eram cotidianamente relegadas a uma espécie de Eterna Infância. E, segundo o Existencialismo, somos aquilo que fazemos. Ou seja, não nascemos prontos. Vamos construindo nossas personalidades à medida que vivemos, escolhemos, agimos, fazemos. Não escolher, não agir, não fazer também são escolhas (será que são mesmo?) que, muitas vezes, desperdiçam vidas e tornam um grupo de pessoas continuamente  subjugado.  

A leitura de O Segundo Sexo me faz lembrar também de uma frase de Clarice Lispector, frase essa presente em Uma Aprendizagem Ou O Livro Dos Prazeres: “A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano”.

Sim, o ser humano como ser humano. Sujeito de sua própria história. Tal atitude, ser Sujeito, muda nossas vidas individuais e mesmo a humanidade.

Simone de Beauvoir, naquele livro publicado pela primeira vez em 1949, nos mostra a condição das mulheres como Objeto e nos convida a sermos Sujeito de nossa própria história e, para nosso espanto, a grande importância que teve para uma das principais mudanças que ocorreram no mundo, a das mulheres como Sujeito, não a coloca entre os principais intelectuais da História da Humanidade. Será por que até hoje as mulheres não são, em seu conjunto, encaradas como Sujeito? Ou será que os assuntos que as envolvem não são tratados como sendo da maior relevância, pois, até hoje, o universal é tido como masculino? Em que medida tal estado de coisas é sustentado por nossas escolhas, ações (e até mesmo usos linguísticos)?

A obra de Simone de Beauvoir nos faz pensar e questionar a nossa maneira de existir e os costumes da sociedade em que vivemos.

Sua obra escrita é constituída por romances, memórias, ensaios e correspondências. Digo obra escrita, pois considero que atitudes – num sentido que não a de escrever - são também obras que modificam formas de estar e de ser neste planeta Terra. E as memórias de Simone de Beauvoir nos trazem formas de ser e de estar (em muitos sentidos) avant la lettre até mesmo para os dias de hoje.  Também, para quem estuda Crítica Textual e Crítica Genética, suas memórias são fontes de informações sobre a construção de seus romances e ensaios e isso, em termos de Estudos Literários e Culturais, é muito atual.

É preciso – e mesmo necessário – ler Simone de Beauvoir nestes tempos ainda tristemente dominados pelo mercado, pela hipocrisia, por papéis previamente atribuídos a homens e a mulheres. E eu pergunto a vocês, leitoras e leitores, onde começam e onde terminam a nossa liberdade e a nossa responsabilidade?

 

  

  

 

 

  

     

sábado, 29 de setembro de 2012

Mais uma passagem de A Mulher do Dia


Capítulo XXIII – Revolução em Coimbra


Tal qual Maio de 68, uma primavera estonteante, cravos brancos e vermelhos: a Revolução de Abril.

Pelo rádio assisto a seus movimentos. E não acredito que um grupo de pessoas teve a coragem de romper o tédio dos dias. Sustentar a flor do amanhã. A flor que nasce no asfalto, como escreveu o Poeta brasileiro. Nas ruas, nas praças, nas casas. No coração das pessoas. Nos atos das gentes. De Lisboa. A bela Lisboa. Ao Sul, ao Norte. Nas Ilhas. Em Coimbra. A mesma Coimbra da crise acadêmica de 69, quando o protesto estudantil se fez ouvir. A Coimbra de Antero e de Eça de Queirós.

De um sonho cultivado brotou a realidade de Abril. De uma fresta da rotina, avistou-se a mudança. Como sustentar a infelicidade diante da possibilidade de mudança? Como sofrer a resignação de um tempo mesquinho, de uma vida mesquinha diante de tudo o que sonha e pulsa e vive e ousa ser o que é? Como permanecer imóvel diante do vermelho, do branco dos cravos da Revolução de Abril?

Meus livros, minha biblioteca, minhas estantes, todos eles guardam palavras prontas a fabricar o gosto pela liberdade. Através de Fénelon, recebo os ensinamentos dados a Telêmaco, filho de Ulisses, o grande navegante; de Machado, a amargura e a ironia do mundo; de Eça, a sensualidade e a esperança; de Antero, a poesia como missão. E atravesso pontes, mares, montanhas, tempo e espaço Ouço a voz de Voltaire, Montesquieu. Divirto-me com o Cândido ou o Otimismo. Leio as Cartas Persas. Conheço os seis continentes. Aproximo-me do mundo, das mulheres, dos homens, meus contemporâneos. Recito Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Florbela Espanca, Vergílio Ferreira, Sophia de Mello Brainer Andressen. Em todos os jardins. Sou, como escreveu Drummond: do tempo presente, da vida presente. Sou também o que veio antes e o que virá depois de mim.

Pela Rádio, assisto aos estudantes de Coimbra que caminham pelas ruas. Sua juventude é muito mais do que uma idade: é uma atitude. E contagia e leva consigo a atenção daqueles que ainda não crêem em um novo dia. Abre as portas da Universidade. Semeia o novo em solo centenário.

Eu, Eduardo Machado, estou em meu quarto a acompanhar as notícias pela Rádio. Mas, meu pensamento encontra-se com todos os que sonharam e com todos os que constroem a quinta-feira de Abril.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

REFLEXÕES SOBRE CRÍTICA TEXTUAL: importância da institucionalização da disciplina e alguns de seus problemas terminológicos e de precisão conceitual


(texto - com modificações - apresentado no GT de Crítica Textual, no XXVII ENANPOLL, realizado de 10 a 13 de julho deste ano, no Instituto de Letras da UFF)    

 
 

A Crítica Textual hoje, apesar da sua importância para as pesquisas e os estudos que envolvam e que envolvem textos escritos, não se encontra presente, como disciplina obrigatória, na graduação da maior parte das universidades brasileiras. Na Pós-graduação, também não é comum que sejam oferecidos cursos que a tenham como tema. Além disso, essa disciplina convive com gravíssimos problemas terminológicos e de precisão conceitual, como, para só citar alguns, o da definição da abrangência da Crítica Textual, o da polissemia da palavra Filologia e do termo Ecdótica. É sobre esses assuntos, que nos inquietam, que vamos discorrer nestas linhas.

 Sobre a necessidade de institucionalização desta disciplina nas universidades brasileiras, é tarefa urgente e inadiável a passagem da Crítica Textual à disciplina obrigatória nos currículos de graduação de Letras do país, pois há uma grande lacuna nesses cursos quando eles não se ocupam da história da transmissão textual e das transformações que os textos sofrem e sofreram ao longo de suas publicações. Além disso, como passar por um curso de Letras sem receber sequer noções acerca dos tipos de edições, sobre a importância de um texto rigorosamente estabelecido e sobre mudanças realizadas em textos por seus autores e pelo que se convencionou chamar de tradição? Por outro lado, a Crítica Textual será mais divulgada se for amplamente institucionalizada. Contudo, especialmente na área de Letras e de Linguística, o que assistimos, na atualidade, no Brasil, é, como já dissemos no início deste trabalho, é que são minoria as universidades que têm a Crítica Textual como disciplina obrigatória na graduação e que oferecem cursos na Pós-graduação sobre ela.

A ausência da Crítica Textual na Graduação e na Pós-graduação da maioria das universidades do Brasil parece ser um absurdo e mesmo não estar alicerçada em bases científicas, pois sabemos que textos são objeto material de pesquisas na área de Letras e de Linguística, por exemplo, e que é base segura para um estudo científico nessas áreas o cuidado, por parte do pesquisador, em escolher edições confiáveis e de saber que os textos são modificados à medida que são publicados. Também é fundamental, para o bom andamento de uma pesquisa científica nessas áreas, saber como é que os textos chegaram até nós, ou seja, conhecer pelo menos parte da história da sua transmissão. Então, como é que a Crítica Textual pode não estar presente na maioria dos currículos de Letras, já que ela tem papel fundamental em estudos com textos? Será que as universidades que não têm a Crítica Textual em seus currículos trabalham com textos como se esses fossem imutáveis e como se o conhecimento da história de sua transmissão não fosse de fundamental importância para as pesquisas em Letras e em Linguística? Será? É de espantar, mas é o que ocorre na maior parte das universidades de nosso país.

Órgãos de fomento à pesquisa no Brasil como o CNPq, a CAPES e a FAPERJ, para citar apenas alguns, também contribuem para esse estado de coisas, pois não fazem constar em suas famosas listas de áreas e de subáreas a Crítica Textual, o que prejudica, a nosso ver, a valorização e a difusão dessa disciplina no meio acadêmico nacional, já que os pesquisadores da área, para submeterem seus projetos a esses órgãos, têm de filiá-los a disciplinas como Linguística Histórica ou Teoria da Literatura, por exemplo. Tais encaminhamentos acabam levando esses projetos às mãos de pesquisadores que nem sempre acompanham o desenvolvimento e os problemas da Crítica Textual, o que acaba se transformando numa pedra não intransponível, mas numa pedra no caminho à obtenção de uma bolsa de pesquisa. E sem bolsas de pesquisas, sem incentivos a pesquisas, como é que podemos convencer os nossos alunos a seguirem pelos árduos caminhos da Crítica Textual? E aqui fazemos referência a uma frase atribuída a Aristóteles: “As raízes do conhecimento são amargas, mas os seus frutos são doces”. Mas lembramos: para colhermos os doces frutos, alguém teve de plantar a árvore, fincar suas raízes numa terra fértil, preparada para recebê-la.

Acreditamos que esse movimento de plantar a árvore e de fincar suas raízes numa terra fértil, ou seja, de contribuirmos efetivamente para a institucionalização da Crítica Textual a nível nacional, assim como o de sensibilizamos os órgãos de apoio à pesquisa do Brasil a fazerem constar em suas prestigiosas listas a Crítica Textual são tarefas que se impõem também aos membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL. 

Outra tarefa que se impõe aos membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL é a de contribuirmos para a construção de uma terminologia menos propícia a estéreis problematizações. Por exemplo, a polissemia da palavra Filologia ao invés de despertar a curiosidade de alunos iniciantes em Crítica Textual, os afasta da disciplina, pois muitos não conseguem conviver com a falta de precisão que aquele termo suscita. Filologia, como todos nós sabemos, pode significar estudo histórico de uma determinada língua ou de um conjunto de línguas, o que a faz ser confundida com a Linguística Histórica. Pode também significar Crítica Textual, o que não ajuda o aluno a ter uma maior compreensão acerca da área, pois há também controvérsias a respeito do conceito de Crítica Textual e de seu campo de atuação.

Vejamos. Para alguns teóricos, Crítica Textual é estabelecimento de textos. Ora, Filologia, quando confundida com edição de textos, não é entendida apenas como estabelecimento de textos. Filologia é estabelecimento, interpretação e comentário de textos, por meio do estudo da história da transmissão, da gênese e da recepção textuais, do exame da língua em que esses textos foram escritos e da literatura que os forma e que por elas é formada.

Pelo que podemos verificar por meio do que foi até agora dito neste trabalho e por meio da nossa experiência como professora tanto da graduação como da pós-graduação e, não podemos nos esquecer, como pesquisadora da área, confundir Filologia com Linguística História e também não precisar a abrangência da Crítica Textual (É estabelecimento de texto? É Filologia?), em nada contribui para a expansão e valorização da disciplina que dá nome a um GT da ANPOLL.

 Outra questão importante é que, para a Crítica Textual Moderna, o estudo da gênese textual se impõe e é, podemos dizer assim, possível e necessário, o que a aproxima muito da Crítica Genética, porém não a torna um sinônimo dessa, pois Crítica Genética e Crítica Textual têm objetos formais distintos. Mas, é comum lermos, não em textos escritos por críticos genéticos, que Crítica Genética é uma parte da Crítica Textual, o que vem a aumentar os graves problemas conceituais e terminológicos da nossa área.

Que podemos fazer para contribuirmos no sentido de alcançarmos maior precisão conceitual e terminológica em Crítica Textual?

Acreditamos que devemos incentivar grupos de trabalho a realizarem maior número de congressos, seminários, encontros e simpósios (inclusive, participando mais ativamente na ALFAL), além de fazermos o possível para criarmos e fortalecermos cursos de pós-graduação em Crítica textual e de investirmos em ações que viabilizem a institucionalização da Crítica Textual como disciplina obrigatória pelo menos nas Faculdades e Institutos de Letras do país. Devemos ainda levar aos órgãos de fomento à pesquisa do Brasil a reivindicação de que, em suas listas de áreas e de subáreas, conste a Crítica Textual, além de trabalharmos em sua divulgação por meio da publicação de artigos, livros, edições críticas e mesmo em manuais e tratados de Crítica Textual, além de nos empenharmos numa maior aproximação em relação a pesquisadores estrangeiros, nacionais e mesmo locais.  

Tais ações são exaustivas, mas, com certeza, se concretizadas, contribuirão para o crescimento, expansão, divulgação e institucionalização da Crítica Textual.

 

           

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Início de A Mulher do Dia, romance publicado em 2011, ganhador do Prêmio Clarice Lispector da Diretoria da UBE-RJ

                                      
                                      Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua,
                                                    brilhante como o sol,terrível como um exército
                                                                                           em ordem de batalha?
                                                                                         
                                                               Cântico dos Cânticos






            É preciso abrir as janelas. Escancarar as cortinas. Trazer o sol para dentro da casa. Deixar o calor de seus raios penetrar em todos os aposentos.

É preciso continuar. Continuar. Continuar. Continuar. Arrumar a bagunça das crianças. Regar as plantas. Arrancar as folhas mortas da violeta cor de violeta. Tirar a poeira dos móveis. Limpar o cinzeiro das cinzas do cigarro de Albano.

As janelas estão abertas. É preciso mantê-las abertas. O sol. Amarelo. Faz calor. Há papéis por todos os lados. Livros espalhados pelo chão. Paredes recobertas pelos super-heróis de César e de Cícero. É preciso lavar. Varrer. Passar pano no chão. (Por que Valdelice não veio? Por quê?) É preciso preparar a aula de amanhã: "A literatura no tempo de Augusto".

(Ligo o rádio.) "Bom dia". Horácio. Virgílio. Ovídio. Bom dia. (Dies aperitne ueritatem?). Faz sol. Calor. (Um beija-flor acaba de beijar a flor lilás.) É preciso limpar o espelho. A imagem destorcida no espelho. Os seios da loba (uma miniatura comprada em Roma, durante um encontro de professores de literatura latina). A mãe-loba e seus filhos, Rômulo e Remo. A mãe-loba e seus seios.

São nove horas da manhã. O relógio marca. (Meu rosto). O espelho. O rosto no espelho. (Meu rosto). No quarto de dormir. A mulher refletida no espelho. (Sou eu). Os seios. (Meu corpo). Eu, Eliana.

Professora-Mãe-Dona-de-casa-Amiga-Amante. Não me reconheço. Como posso ter envelhecido tanto? Como posso ter deixado o tempo passar sem me olhar no espelho, a vida conspurcada pelo tempo. Eu que amamentei dois filhos e dei os seios a Albano para seu prazer. Não me pertenço. A vida não me pertence (depois de tantos anos: um casamento; dois filhos; um Doutorado em Roma; algumas publicações acadêmicas; um cargo de Professora Adjunta na Federal) como posso sentir um enorme vazio, uma tristeza devastadora: A SENSAÇÃO DE HAVER PERDIDO O BONDE DA MINHA HISTÓRIA.

Sim, devo estar louca. Devo andar meio desequilibrada. Minhas mãos andam trêmulas e frias. Choro com facilidade. Depois de tantos anos, tenho vontade de largar tudo (marido, filhos, vida acadêmica) e sair por aí à procura de.

Como posso ter pensamentos tão mesquinhos, perversos? Como posso ser tão má?

Devo pensar em outras coisas. Devo ocupar o tempo livre: o ócio é inimigo dos bons pensamentos, das boas ações.

Procuro desesperadamente por um CD, uma música que preencha o vazio do quarto, da sala, da casa inteira.

Jogo os CDs pelo chão. Um a um caem numa cascata de plástico. As flores de plástico não morrem. As flores de plástico. Não. Nada vai me trazer de volta a JUVENTUDE. A pele fresca. Lisa. O brilho nos olhos. A vida desperdiçada em gestos mesquinhos: COTIDIANOS.

TENHO de começar a escrever o texto para a Semana de Estudos Clássicos. Não há tempo de pensar em vontade, desejo, AUTENTICIDADE.

Mas o espelho, o rosto, a loba me perseguem. Por mais que eu tente fugir, cobrir o espelho com um lençol: como quem cobre o corpo de um morto.

Vejo o rosto no espelho. Meu rosto? O rosto daquela que vive de tecer e desfiar tecidos imaginários, intermináveis, cíclicos: a vida foge por entre meus dedos. Tenho medo. Medo.

O Medo invade meu coração. Sim. Vivo de sombras. Tenho vertigens. Minhas mãos tateiam o vazio a procura de algo que as faça preencher o quê?

Procuro um livro na estante. Procuro palavras que tragam um pouco de ordem ao mundo caótico em que vivo. Fujo da dor. (Da loucura?) Preciso resistir. Tenho dois filhos e um casamento. Dois filhos, um casamento e uma carreira acadêmica.

Pego vários livros na estante. Virgílio, Horácio, Ovídio, Tibulo, Propércio (Mas a imagem da loba amamentando Rômulo e Remo me persegue. Não consigo deixar de pensar nela. Por mais que...) Meu Deus, me ajude! Procuro desesperadamente por um livro. Palavras que me ajudem a pensar. No princípio era. O livro. Mas, tenho sono. Deito no sofá e adormeço.


 

sábado, 22 de setembro de 2012

Edição de Texto e Crítica Filológica


Edição de Texto e Crítica Filológica, dos professores Rosa Borges, Arivaldo Sacramento Sousa, Eduardo Silva Dantas de Matos e Isabela Santos de Almeida (Salvador: Quarteto, 2012), tem por epígrafe um poema de Odires Fonseca, que começa com os seguintes versos: Quebrar o brinquedo/ é mais divertido. E não é à toa que o poema de Odires Fonseca serve de epígrafe a esse livro, pois há nesses versos uma interessante analogia com o trabalho do filólogo ou crítico textual que estuda textos modernos.

 Explico: a Crítica Textual Moderna trabalha com originais presentes, como diz o Professor Ivo Castro. Ou seja, com textos que muitas vezes são manuscritos autógrafos com rasuras, substituições, registros de hesitações na escolha de palavras ou ainda com etapas de construção ou versões de uma obra que poderão ou não vir a ser conhecidas do grande público.

Trabalhar com manuscritos, com etapas de construção de textos e com versões textuais é como quebrar um brinquedo. O brinquedo, no caso dos estudos de Crítica Textual, é o texto que pode muito bem ser uma determinada obra literária: um romance, um poema, uma peça teatral. E a Crítica Textual é tão ampla que contempla também estudos de produção, transmissão e circulação de textos.

Felizmente, para os leitores, tal amplitude da Crítica Textual pode ser facilmente percebida nas páginas de Edição de Texto e Crítica Filológica, que estão divididas nos seguintes capítulos: Filologia e Edição de Texto, de Rosa Borges e Arivaldo Sacramento de Sousa; Edição Crítica em Perspectiva Genética, de Rosa Borges; Edição Genética, de Eduardo Silva Dantas de Matos; Edição Interpretativa em Meio Digital, de Isabela Santos de Almeida e Edição Sinóptica, de Arivaldo Sacramento de Sousa. Vale lembrar que todos esses capítulos estão divididos em subcapítulos e esse livro, além de dialogar com autores não comumente estudados em Crítica Textual, apresenta bibliografia atualizada e não foge de questões polêmicas e problemáticas como a da conceituação de Filologia e mesmo a da definição de Crítica Textual que não é tão pacífica como as que aparecem sintetizadas em alguns manuais da referida disciplina.

Edição de Texto e Crítica Filológica traz ainda definições, explicações, exemplificações de tipos de edições, alguns deles pouco divulgados no meio editorial de nosso país e em manuais de Crítica Textual, mas cujo conhecimento é importante e mesmo fundamental ao aluno, ao pesquisador, ao professor-pesquisador-extensionista das Faculdades e Institutos de Letras ou de Filosofia, Letras e Ciências Sociais do Brasil e do exterior. Também não se exime de falar sobre Crítica Textual, Tradução, Adaptação (inclusive numa perspectiva genética, como é o caso do estudo sobre a primeira cena da adaptação de Cândido ou O Otimismo, realizada por Cleise Furtado Mendes de um conto do filósofo iluminista Voltaire), sobre edição interpretativa em meio digital (a do Auto da barca do rio das lágrimas de Irati, da dramaturga Jurema Penna), como também sobre a censura que, nos anos 70, cercava, por exemplo, a produção teatral brasileira. E, nesse sentido, recupera também o nome de um dramaturgo, Fernando Melo, e de atores como Mário Gomes e do saudoso Nestor Montemar, que pouco circulam hoje na mídia e que raramente são citados nos cursos de Letras do país. Tal papel, o de fazer novamente circularem nomes, textos, obras, é característico da Crítica Textual que – e o livro de Rosa, Arivaldo, Eduardo e Isabela destaca isso – não está hoje - e já há algum tempo – voltada apenas às origens, mas, principalmente, à historicidade da produção e da transmissão de textos e de textos e de suas versões e modificações autorais e não-autorais que formam a obra que muitas vezes parece, aos olhos dos leitores, surgida já pronta a partir da inspiração de seus autores e autoras. Fala ainda de Crítica Textual e Informática – o Projeto Cervantes é lá citado-, como também de Artur de Salles e seu projeto não inteiramente concretizado do livro Poemas do Mar, que ressurge da correspondência do escritor baiano e seu amigo Durval de Moraes, por meio do trabalho filológico de viés genético.

Da leitura de Edição de Texto e Crítica Filológica fica clara a importância e a necessidade da Crítica Textual para os Estudos Literários.

Sim, concordo com Odires Fonseca: Quebrar o brinquedo/ é mais divertido.