(texto - com
modificações - apresentado no GT de Crítica Textual, no XXVII ENANPOLL,
realizado de 10 a 13 de julho deste ano, no Instituto de Letras da UFF)
A Crítica Textual hoje, apesar da sua importância para as pesquisas e os
estudos que envolvam e que envolvem textos escritos, não se encontra presente,
como disciplina obrigatória, na graduação da maior parte das universidades
brasileiras. Na Pós-graduação, também não é comum que sejam oferecidos cursos
que a tenham como tema. Além disso, essa disciplina convive com gravíssimos
problemas terminológicos e de precisão conceitual, como, para só citar alguns,
o da definição da abrangência da Crítica Textual, o da polissemia da palavra
Filologia e do termo Ecdótica. É sobre esses assuntos, que nos inquietam, que
vamos discorrer nestas linhas.
Sobre a necessidade de
institucionalização desta disciplina nas universidades brasileiras, é tarefa
urgente e inadiável a passagem da Crítica Textual à disciplina obrigatória nos
currículos de graduação de Letras do país, pois há uma grande lacuna nesses
cursos quando eles não se ocupam da história da transmissão textual e das
transformações que os textos sofrem e sofreram ao longo de suas publicações.
Além disso, como passar por um curso de Letras sem receber sequer noções acerca
dos tipos de edições, sobre a importância de um texto rigorosamente
estabelecido e sobre mudanças realizadas em textos por seus autores e pelo que
se convencionou chamar de tradição? Por outro lado, a Crítica Textual será mais
divulgada se for amplamente institucionalizada. Contudo, especialmente na área
de Letras e de Linguística, o que assistimos, na atualidade, no Brasil, é, como
já dissemos no início deste trabalho, é que são minoria as universidades que
têm a Crítica Textual como disciplina obrigatória na graduação e que oferecem
cursos na Pós-graduação sobre ela.
A ausência da Crítica Textual na Graduação e na Pós-graduação da maioria
das universidades do Brasil parece ser um absurdo e mesmo não estar alicerçada
em bases científicas, pois sabemos que textos são objeto material de pesquisas
na área de Letras e de Linguística, por exemplo, e que é base segura para um
estudo científico nessas áreas o cuidado, por parte do pesquisador, em escolher
edições confiáveis e de saber que os textos são modificados à medida que são
publicados. Também é fundamental, para o bom andamento de uma pesquisa
científica nessas áreas, saber como é que os textos chegaram até nós, ou seja,
conhecer pelo menos parte da história da sua transmissão. Então, como é que a
Crítica Textual pode não estar presente na maioria dos currículos de Letras, já
que ela tem papel fundamental em estudos com textos? Será que as universidades
que não têm a Crítica Textual em seus currículos trabalham com textos como se
esses fossem imutáveis e como se o conhecimento da história de sua transmissão
não fosse de fundamental importância para as pesquisas em Letras e em
Linguística? Será? É de espantar, mas é o que ocorre na maior parte das
universidades de nosso país.
Órgãos de fomento à pesquisa no Brasil como o CNPq, a CAPES e a FAPERJ,
para citar apenas alguns, também contribuem para esse estado de coisas, pois
não fazem constar em suas famosas listas de áreas e de subáreas a Crítica
Textual, o que prejudica, a nosso ver, a valorização e a difusão dessa
disciplina no meio acadêmico nacional, já que os pesquisadores da área, para
submeterem seus projetos a esses órgãos, têm de filiá-los a disciplinas como
Linguística Histórica ou Teoria da Literatura, por exemplo. Tais
encaminhamentos acabam levando esses projetos às mãos de pesquisadores que nem
sempre acompanham o desenvolvimento e os problemas da Crítica Textual, o que
acaba se transformando numa pedra não intransponível, mas numa pedra no caminho
à obtenção de uma bolsa de pesquisa. E sem bolsas de pesquisas, sem incentivos
a pesquisas, como é que podemos convencer os nossos alunos a seguirem pelos
árduos caminhos da Crítica Textual? E aqui fazemos referência a uma frase
atribuída a Aristóteles: “As raízes do conhecimento são amargas, mas os seus
frutos são doces”. Mas lembramos: para colhermos os doces frutos, alguém teve
de plantar a árvore, fincar suas raízes numa terra fértil, preparada para
recebê-la.
Acreditamos que esse movimento de plantar a árvore e de fincar suas
raízes numa terra fértil, ou seja, de contribuirmos efetivamente para a
institucionalização da Crítica Textual a nível nacional, assim como o de
sensibilizamos os órgãos de apoio à pesquisa do Brasil a fazerem constar em
suas prestigiosas listas a Crítica Textual são tarefas que se impõem também aos
membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL.
Outra tarefa que se impõe aos membros do GT de Crítica Textual da ANPOLL
é a de contribuirmos para a construção de uma terminologia menos propícia a
estéreis problematizações. Por exemplo, a polissemia da palavra Filologia ao
invés de despertar a curiosidade de alunos iniciantes em Crítica Textual, os
afasta da disciplina, pois muitos não conseguem conviver com a falta de
precisão que aquele termo suscita. Filologia, como todos nós sabemos, pode
significar estudo histórico de uma determinada língua ou de um conjunto de
línguas, o que a faz ser confundida com a Linguística Histórica. Pode também
significar Crítica Textual, o que não ajuda o aluno a ter uma maior compreensão
acerca da área, pois há também controvérsias a respeito do conceito de Crítica
Textual e de seu campo de atuação.
Vejamos. Para alguns teóricos, Crítica Textual é estabelecimento de
textos. Ora, Filologia, quando confundida com edição de textos, não é entendida
apenas como estabelecimento de textos. Filologia é estabelecimento,
interpretação e comentário de textos, por meio do estudo da história da
transmissão, da gênese e da recepção textuais, do exame da língua em que esses
textos foram escritos e da literatura que os forma e que por elas é formada.
Pelo que podemos verificar por meio do que foi até agora dito neste trabalho
e por meio da nossa experiência como professora tanto da graduação como da
pós-graduação e, não podemos nos esquecer, como pesquisadora da área, confundir
Filologia com Linguística História e também não precisar a abrangência da
Crítica Textual (É estabelecimento de texto? É Filologia?), em nada contribui
para a expansão e valorização da disciplina que dá nome a um GT da ANPOLL.
Outra questão importante é que, para a Crítica Textual Moderna, o estudo da gênese textual se impõe
e é, podemos dizer assim, possível e necessário, o que a aproxima muito da
Crítica Genética, porém não a torna um sinônimo dessa, pois Crítica Genética e
Crítica Textual têm objetos formais distintos. Mas, é comum lermos, não em
textos escritos por críticos genéticos, que Crítica Genética é uma parte da
Crítica Textual, o que vem a aumentar os graves problemas conceituais e
terminológicos da nossa área.
Que podemos fazer para contribuirmos no sentido de alcançarmos maior
precisão conceitual e terminológica em Crítica Textual?
Acreditamos que devemos incentivar grupos de trabalho a realizarem maior
número de congressos, seminários, encontros e simpósios (inclusive,
participando mais ativamente na ALFAL), além de fazermos o possível para
criarmos e fortalecermos cursos de pós-graduação em Crítica textual e de
investirmos em ações que viabilizem a institucionalização da Crítica Textual
como disciplina obrigatória pelo menos nas Faculdades e Institutos de Letras do
país. Devemos ainda levar aos órgãos de fomento à pesquisa do Brasil a
reivindicação de que, em suas listas de áreas e de subáreas, conste a Crítica
Textual, além de trabalharmos em sua divulgação por meio da publicação de
artigos, livros, edições críticas e mesmo em manuais e tratados de Crítica
Textual, além de nos empenharmos numa maior aproximação em relação a
pesquisadores estrangeiros, nacionais e mesmo locais.
Tais ações são exaustivas, mas, com certeza, se concretizadas,
contribuirão para o crescimento, expansão, divulgação e institucionalização da
Crítica Textual.
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