sábado, 30 de agosto de 2014

Um romance em construção: Sobre a natureza das coisas


                                                  I

                                          O Cavaleiro
     

                                                              Prepare o seu coração
                                                            Pras coisas que eu vou contar
                                                                “Disparada”, Geraldo Vandré
    


Ele veio lá do sertão. Do interior da Paraíba, ele veio. De um lugar, cujo nome não inspirava futuro benfazejo: Buracos, no Nordeste brasileiro. Seca, sol a pique, xique-xique, mandacaru, urubus à espreita, esqueleto de gado secando a céu aberto, boca aberta num sorriso grande da morte (ou estaria o gado zombando da própria sorte?).
 Às vezes, para beber água, era preciso cavar, cavar a terra ou espremer bem espremida a raiz de uma planta que continha o líquido precioso, necessário, imprescindível, mas raro naquela região esquecida por Deus e pelas autoridades governamentais desse país a que chamamos nosso. Nosso? Deles? E o direito à vida? Direito? Parece termo e conceito riscados do palavreado do dia a dia daquela gente. Injustiça, essa, sim, estava presente e era certeira, quase uma companheira. E, como o filósofo Voltaire dizia, no já mui distante Século das Luzes, injustiça gera injustiça.  
Com os pais, Vital e Francisca, abriu estradas, plantou roças, criou galinha, porco, o que dava para comer. Com estacas, pás e a força de um menino que se fazia homem, apesar do medo, apesar de todo o tempo ainda para crescer, trabalhava, até as seis da tarde, quando o sol quase se recolhia, atrás da colina. Mas, no pouco tempo livre que ele tinha, olhava as letras desenhadas nas tabuletas penduradas nas esparsas mercearias que lá havia, nas feiras, onde os repentistas se apresentavam com palavras que jorravam tão harmoniosas ao som das rabecas, das sanfonas e sonhava. Sonhava em entendê-las, em conhecer seus mistérios, suas melodias, seus ritmos, suas sonoridades, seus sentidos e aqueles, às vezes, longos agrupamentos de frases e de sinais ainda estranhos ao seu entendimento.
Aquele menino inteligente, tão chegado às letras, tinha, curiosamente, recebido o nome de um conhecido poeta grego da antiguidade. Mas como sucedera a esse menino receber tal nome?
A história é a seguinte. Vou lhes contar: