Edição
de Texto e Crítica Filológica, dos professores Rosa
Borges, Arivaldo Sacramento Sousa, Eduardo Silva Dantas de Matos e Isabela
Santos de Almeida (Salvador: Quarteto, 2012), tem por epígrafe um poema de
Odires Fonseca, que começa com os seguintes versos: Quebrar o brinquedo/ é mais
divertido. E não é à toa que o poema de Odires Fonseca serve de epígrafe a esse
livro, pois há nesses versos uma interessante analogia com o trabalho do
filólogo ou crítico textual que estuda textos modernos.
Explico: a Crítica Textual Moderna trabalha
com originais presentes, como diz o Professor Ivo Castro. Ou seja, com textos
que muitas vezes são manuscritos autógrafos com rasuras, substituições,
registros de hesitações na escolha de palavras ou ainda com etapas de
construção ou versões de uma obra que poderão ou não vir a ser conhecidas do
grande público.
Trabalhar
com manuscritos, com etapas de construção de textos e com versões textuais é
como quebrar um brinquedo. O brinquedo, no caso dos estudos de Crítica Textual,
é o texto que pode muito bem ser uma determinada obra literária: um romance, um
poema, uma peça teatral. E a Crítica Textual é tão ampla que contempla também
estudos de produção, transmissão e circulação de textos.
Felizmente,
para os leitores, tal amplitude da Crítica Textual pode ser facilmente
percebida nas páginas de Edição de Texto e Crítica Filológica, que estão divididas nos seguintes
capítulos: Filologia e Edição de Texto, de Rosa Borges e Arivaldo Sacramento
de Sousa; Edição Crítica em Perspectiva Genética, de Rosa Borges; Edição
Genética, de Eduardo Silva Dantas de Matos; Edição Interpretativa em Meio
Digital, de Isabela Santos de Almeida e Edição Sinóptica, de Arivaldo
Sacramento de Sousa. Vale lembrar que todos esses capítulos estão
divididos em subcapítulos e esse livro, além de dialogar com autores não
comumente estudados em Crítica Textual, apresenta bibliografia atualizada e não
foge de questões polêmicas e problemáticas como a da conceituação de Filologia
e mesmo a da definição de Crítica Textual que não é tão pacífica como as que
aparecem sintetizadas em alguns manuais da referida disciplina.
Edição
de Texto e Crítica Filológica traz ainda definições,
explicações, exemplificações de tipos de edições, alguns deles pouco divulgados
no meio editorial de nosso país e em manuais de Crítica Textual, mas cujo
conhecimento é importante e mesmo fundamental ao aluno, ao pesquisador, ao
professor-pesquisador-extensionista das Faculdades e Institutos de Letras ou de
Filosofia, Letras e Ciências Sociais do Brasil e do exterior. Também não se
exime de falar sobre Crítica Textual, Tradução, Adaptação (inclusive numa
perspectiva genética, como é o caso do estudo sobre a primeira cena da
adaptação de Cândido ou O Otimismo, realizada por Cleise Furtado Mendes
de um conto do filósofo iluminista Voltaire), sobre edição interpretativa em
meio digital (a do Auto da barca do rio das lágrimas de Irati, da
dramaturga Jurema Penna), como também sobre a censura que, nos anos 70,
cercava, por exemplo, a produção teatral brasileira. E, nesse sentido, recupera
também o nome de um dramaturgo, Fernando Melo, e de atores como Mário Gomes e
do saudoso Nestor Montemar, que pouco circulam hoje na mídia e que raramente
são citados nos cursos de Letras do país. Tal papel, o de fazer novamente
circularem nomes, textos, obras, é característico da Crítica Textual que – e o
livro de Rosa, Arivaldo, Eduardo e Isabela destaca isso – não está hoje - e já
há algum tempo – voltada apenas às origens, mas, principalmente, à
historicidade da produção e da transmissão de textos e de textos e de suas
versões e modificações autorais e não-autorais que formam a obra que muitas vezes
parece, aos olhos dos leitores, surgida já pronta a partir da inspiração de
seus autores e autoras. Fala ainda de Crítica Textual e Informática – o Projeto
Cervantes é lá citado-, como também de Artur de Salles e seu projeto não
inteiramente concretizado do livro Poemas do Mar, que ressurge da
correspondência do escritor baiano e seu amigo Durval de Moraes, por meio do
trabalho filológico de viés genético.
Da
leitura de Edição de Texto e Crítica
Filológica fica clara a importância e a necessidade da Crítica Textual para
os Estudos Literários.
Sim,
concordo com Odires Fonseca: Quebrar o brinquedo/ é mais divertido.
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