domingo, 14 de outubro de 2012

A respeito de uma matéria do Prosa & Verso deste sábado...


 

 

Li, no Prosa & Verso deste sábado, dia 13 de outubro, na página 2 do referido Caderno de O Globo, numa matéria sobre a presença da literatura brasileira na feira de Frankfurt, a seguinte frase: “Hoje, autores com menos de 40 anos despertam uma atenção no mercado internacional inimaginável anos atrás”.

Achei curiosa a afirmação e pensei: será que os escritores – e, por extensão, a literatura por eles produzida – teriam prazo de validade? Após os quarenta, tais autores não teriam mais como despertar a atenção de leitores de outras línguas que não o português?

Será mesmo que um grande número de autores com menos de quarenta tem facilidade de divulgação de suas obras neste país e lá fora?

Será que a qualidade e a força inovadora da literatura têm a ver com a idade com que seu autor ou sua autora a produziu?

É claro que não. Inclusive, na referida matéria, há uma fala do editor John Freeman, que diz o seguinte: “ – A literatura brasileira definitivamente está crescendo, mas para mim isso não significa que está melhor. A diferença é que ela tem canais para ser exportada, como o da “Granta” [...]”.

Nada contra as escritoras e os escritores citados na matéria, mas um autor ou uma autora podem amadurecer com o passar dos anos e com o exercício constante da arte de escrever. Podem também ver secar a sua inspiração. Inspiração hoje tão desvalorizada como componente da criação artística, mas tão fundamental quanto o trabalho de limar a forma e de fazê-la parecer a mais natural possível ou não (se o escritor assim não a pretender). Ou seja, idade não tem nada a ver com qualidade literária.

 Acerca da maior facilidade de divulgação no exterior, será que grande parte dos escritores e das escritoras de nosso país encontra facilidade de divulgação de suas obras até mesmo no Brasil?

               Creio que não e não poderia ser diferente, pois vivemos em um dos países mais desiguais da muito desigual América Latina em termos de distribuição de renda e de acesso a direitos básicos (e não tão básicos) do ser humano. Por que, em termos de literatura, seria diferente?  Não, não é.  

 Quando penso na matéria do Prosa & Verso, tanto na questão idade como na questão da divulgação, lembro-me que Machado de Assis publicou na Revista Brasileira o que foi um divisor de águas na sua produção literária (e na literatura brasileira), Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando tinha 41 anos. Também, Eça de Queirós, quando publicou pela primeira vez em livro Os Maias, tinha mais de 40 anos. Tinha 43.  A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras nem as chegou ver publicadas em livro, pois tais obras foram publicadas nesse formato após a sua morte, ocorrida quando o escritor contava com 55 anos.  

Citei esses dois escritores, mas poderia ter citado outros, como José Saramago, por exemplo, pois tanto Eça como Machado foram, enquanto viviam, publicados fora de suas pátrias (isso, no século XIX - um projeto da UNICAMP fala sobre a divulgação de livros no século XIX, se eu não me engano, é coordenado pela Professora Márcia Abreu) e continuam a ser divulgados no exterior, inclusive pelo trabalho de professores universitários brasileiros e portugueses que dão cursos nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Também o crescente estímulo à tradução no Brasil – inclusive com um Programa de bolsas da Fundação Biblioteca Nacional, a abertura de disciplinas de Teoria da Tradução em Universidades Federais e a maior mobilidade acadêmica – contribuem para esse estado de coisas, mas será que isso representa realmente maior divulgação em termos reais e maior acesso dos escritores e das escritoras nacionais à divulgação de suas obras tanto aqui como lá fora?     
     

4 comentários:

  1. ceila,

    faz algum tempo em seu blog, o escritor santiago nazarian postou que no início da década passada houve uma certa moda acerca de novos (e jovens) escritores brasileiros (no brasil)e que isso passou.

    talvez aconteça algo semelhante agora. devido a uma visão panorâmica sobre o país, parece que o brasil está em evidência lá fora. grosso modo, tivemos apenas dois escritores conhecidos no ocidente (eua-europa, mais precisamente): jorge amado e paulo coelho. então, agora, os gringos necessitam inventar uma cultura literária brasileira contemporânea, e aí entram fatores como idade etc., produto para importação.

    o editor disse que a literatura brasileira está crescendo. incorreto. a literatura brasileira cresceu já faz algum tempo e estagnou, pois a pequeneza do mercado impede a continuação do movimento ascendente. é o que você afirmou: se não forem os que já estão aí, dificilmente alguém consegue alguma projeção, publicação etc. principalmente os que se interessam em fazer literatura, em vez desta ser uma das produções de um performista.

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    1. Realmente, há uma espécie de senso comum - alimentado pelas mídias - de que o Brasil está sendo pouco atingido pela crise internacional. Contudo, elas se esquecem de dizer que muitos dos direitos conquistados e agora em risco na Europa não fazem até hoje parte do nosso dia a dia.
      Com a publicação e divulgação da Literatura em nosso país não é diferente. São atividades ainda muito fechadas.
      É um longo processo para nós, escritores, transformarmos esse estado de coisas. Inclusive, passa pela maior democratização do Brasil.

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  2. aqui pode se ter uma noção mais pé no chão da coisa:

    http://abibliotecaderaquel.blogfolha.uol.com.br/2012/10/15/uma-feira-de-frankfurt-atipica-especialmente-para-brasileiros/

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