terça-feira, 9 de outubro de 2012

Outra passagem de A Mulher do Dia


Capítulo XIX – Encontro

 

Sônia já saiu. Sem perguntas. Sem respostas. Deixou apenas o calor de seu corpo que alimenta por algum tempo a minha alma.

O que eu dou a ela? Não sei.

Sou prisioneiro de mim mesmo. Não consigo habitar as casas das mulheres com quem durmo. São como cavernas de Hades. Vales de sombras. Brumas. Névoas. Quimeras.

Guardo lembranças de um passado vivido numa ilha no meio do Atlântico. Passeios pela Estrada das Doze Ribeiras. Tardes no Monte Brasil a visitar o Castelo de São João Baptista. O olhar perdido a espera de embarcações que nunca chegam. O vento nos cabelos do menino que fui. O cheiro do mar. Solidão.

Preciso abrir as janelas. Trazer alguma luz ao meu dia. (O calor de Sônia já se foi).

Desligo o laptop. Recordo-me do poema de Antero. (Mais luz!) Visto uma roupa apropriada para sair. Minh’alma insular alimenta-se de viagens que nunca fiz. Sim. Uma caminhada pelas ruas de São Paulo. É tudo o que preciso para colocar meus pensamentos em ordem. Daqui a poucas horas, começa a conferência que preparei sobre Antero. Não há tempo, sinceramente, para reminiscências. Olho o meu rosto no espelho, ajeito os cabelos, pego os papéis da conferência e bato a porta. (A vida continua). Apesar de o elevador estar disponível, desço um a um os andares. Doze ao todo. Deixo a chave na portaria e sigo em direção ao Metro. Passo pelas Alamedas. Dirijo-me à estação Trianon-Masp. Uma voz mecânica desafia o meu espírito de liberdade: “É proibido ultrapassar a faixa amarela”. (“Eu sei. Poucos parecem não saber”.) De volta à superfície, caminho pela Paulista. A multidão assusta e embriaga. Cheiros, cores, rostos de inúmeros feitios e procedências provocam em mim uma estranha sensação: a liberdade invade-me, momentaneamente, e se dissolve na chuva fina.

Continuo o meu caminho. Procuro algo que faça o tempo parar. Tenho 49 anos. Minhas mãos ainda são fortes, rijas, mas guardam muitos segredos. De repente, uma mulher esbarra em mim. Nossos olhos encontram-se. Deixo cair os papéis que levo comigo. Ela ajuda-me a recolhê-los. Aproveito à oportunidade, pergunto o seu nome. Ela diz: Eliana. E sem dar-me tempo para mais uma pergunta, pega um táxi e desaparece no meio da cidade imensa.

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