Capítulo XIX – Encontro
Sônia já saiu. Sem perguntas. Sem respostas. Deixou
apenas o calor de seu corpo que alimenta por algum tempo a minha alma.
O que eu dou a ela? Não sei.
Sou prisioneiro de mim mesmo. Não consigo habitar as
casas das mulheres com quem durmo. São como cavernas de Hades. Vales de
sombras. Brumas. Névoas. Quimeras.
Guardo lembranças de um passado vivido numa ilha no
meio do Atlântico. Passeios pela Estrada das Doze Ribeiras. Tardes no Monte
Brasil a visitar o Castelo de São João Baptista. O olhar perdido a espera de
embarcações que nunca chegam. O vento nos cabelos do menino que fui. O cheiro
do mar. Solidão.
Preciso abrir as janelas. Trazer alguma luz ao meu
dia. (O calor de Sônia já se foi).
Desligo o laptop.
Recordo-me do poema de Antero. (Mais luz!) Visto uma roupa apropriada para
sair. Minh’alma insular alimenta-se de viagens que nunca fiz. Sim. Uma
caminhada pelas ruas de São Paulo. É tudo o que preciso para colocar meus
pensamentos em ordem.
Daqui a poucas horas, começa a conferência que preparei sobre
Antero. Não há tempo, sinceramente, para reminiscências. Olho o meu rosto no
espelho, ajeito os cabelos, pego os papéis da conferência e bato a porta. (A
vida continua). Apesar de o elevador estar disponível, desço um a um os
andares. Doze ao todo. Deixo a chave na portaria e sigo em direção ao Metro.
Passo pelas Alamedas. Dirijo-me à estação Trianon-Masp. Uma voz mecânica
desafia o meu espírito de liberdade: “É proibido ultrapassar a faixa amarela”.
(“Eu sei. Poucos parecem não saber”.) De volta à superfície, caminho pela
Paulista. A multidão assusta e embriaga. Cheiros, cores, rostos de inúmeros
feitios e procedências provocam em mim uma estranha sensação: a liberdade
invade-me, momentaneamente, e se dissolve na chuva fina.
Continuo o meu caminho. Procuro algo que faça o tempo
parar. Tenho 49 anos. Minhas mãos ainda são fortes, rijas, mas guardam muitos segredos.
De repente, uma mulher esbarra em mim. Nossos olhos encontram-se. Deixo cair os
papéis que levo comigo. Ela ajuda-me a recolhê-los. Aproveito à oportunidade,
pergunto o seu nome. Ela diz: Eliana. E sem dar-me tempo para mais uma
pergunta, pega um táxi e desaparece no meio da cidade imensa.
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