Cinquenta
anos depois, caminho na Rio Branco, em direção à Cinelândia, no centro do Rio,
julho, pouco mais de um ano em que as pessoas voltaram às ruas.
Na
minha lembrança, estou no meio da multidão, faço parte dela e meu coração bate
forte. Respiro aliviada após anos de exaustão. Estou viva. Sigo em frente. Não foi à toa que saímos às ruas nos anos 80. Temos
um sonho e sonhos, como diz a canção, não envelhecem.
Enquanto caminho, lembro-me de uma exposição
em que estive presente neste mês, a World Press Photo. Em uma das imagens mais
impactantes que compartilhavam aquele espaço, homens, diante do escuro da noite
e do mar, tentam estabelecer, por meio de celulares, conexão com parentes distantes.
Parecem deuses criadores de estrelas, mas são homens banidos da terra em que
nasceram. Porém, suas histórias (ou parte delas) chegam até nós e tenho a
impressão de que sempre estiveram tão longe e tão perto de nós. Histórias
protegidas da ação do tempo e de determinados tipos de homens e de suas ações
pelas mãos de trabalhadores, a quem chamamos fotógrafos, que, como todos os
seres humanos, convivem com a arte dentro de si. Porém, uns têm direitos.
Outros têm o direito de alimentarem os direitos de alguns. Mais adiante,
crianças brincam e não imaginam que seus passos logo logo serão limitados pela
lógica do capital. Um pouco à frente, as marcas da passagem de um esqui formam
uma espécie de espiral que, apesar de bela, não nos protege da falta luz em
Gaza, que ocorre não por um acidente e sim pela ação do homem que continua a
ser o lobo do homem. Em Bangladesh, um prédio, cheio de trabalhadores, desaba e
mata – assassina - a maior parte deles, não por uma fatalidade, mas por conta
da ganância daqueles que exploraram, até a última gota de suor e de sangue, a sua
força de trabalho. Mas o abraço que liga duas das pessoas soterradas continua a
nos desafiar, a nos comover. São imagens que, como perguntas, nos interrogam. Que vida é essa que levamos? Como tudo isso
ocorreu sem que nada fizéssemos para evitar?
Continuo
a caminhar. Nas bancas, revistas apresentam um mundo que, se olharmos ao redor,
existe apenas para alguns.
Na
rua, um rapaz latino-americano toca um violino que nos surpreende com “O Luar
do Sertão”.
Pessoas olham o relógio e passam como
se as nossas obrigações diárias nos protegessem e nos afastassem da vida que
nos chama: Vem!
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