sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

thiago luna: "O mar e o rio de Jacó"


Somente a enorme dificuldade de divulgação de novos e de não tão novos talentos literários que há neste país pode justificar que o grande público ainda não conheça o nome de thiago luna

thiago luna, apesar do nome grafado em minúsculas,  é um dos mais talentosos escritores da nova geração de brasileiros que ainda teimam em publicar, apesar do pouco incentivo que há para a produção literária no Brasil.

Em sua nova novela, “O mar e o rio de Jacó”, thiago trabalha o formato que o texto ganha na página em branco e reproduz, por meio da formatação das negras letras na alva página, o fluxo das águas do mar para o rio. E há quem possa estranhar a direção do fluxo das águas nas páginas escritas por thiago, mas esse fluxo também é uma materialização da imagem das regras, dos limites com que temos que aprender a conviver para que possamos viver neste mundo tão desnaturalizado e para que possamos nos comunicar e fazer uso (e ler e escrever literatura) com a língua que herdamos de nossos pais e que nos é apresentada sem as devidas ressalvas de que somos nós, seus falantes, também quem a mantém viva e a faz viver em tudo o que falamos, pensamos, sentimos e colocamos por escrito, obedecendo e burlando suas normas, um espaço fixo, mas não tão fixo, a ponto de ser elástico e moldável ao mesmo tempo e pelos tempos que houver falantes e leitores da nossa língua portuguesa que também nos tem e que é parte integrante de nós mesmos.

Essa metamorfose da língua em ser (e do ser em língua) está também presente na história narrada em “O mar e o rio de Jacó” que dialoga com o Gênesis– mais especificamente com a criação da vida por Deus e a história de Adão e Eva– assim como com o Evangelho de  João e o belíssimo início: “No princípio era o Verbo [...]”, com o Banquete, de Platão; com o rio de Heráclito, com parte significativa da tradição literária que chegou até nós.

Sim. Nas páginas de “O mar e o rio de Jacó”, o fluxo das águas se mistura ao fluxo do pensamento, das sensações escritas e da tradição que acompanham as transformações do narrador que, como a água, não tem uma forma  fixa: é peixe, é monstro, é homem apaixonado admirado amando a mulher que, muitas vezes, parece ser mais forte do que ele. Ela: uma espécie de Eva, mas sem a carga da culpa original que à Eva é atribuída pela cultura na qual estamos imersos. E o amor entre o homem e a mulher é visto como se fosse o original, o primeiro – e por que original, sagrado - que de certa forma também sustenta o mundo, formado, a sua maior parte – assim como nossos corpos – de água. Contudo, num certo momento da narrativa, ocorre um corte ou o início de uma narrativa muito diferente da que até aquele momento flui nas páginas escritas por thiago. Tal narrativa, nessa passagem, sintomaticamente fala de uma cidade – uma metáfora da civilização? – mas, parece um sonho. Tem mesmo o efeito semelhante do provocado pela leitura de obras como O Castelo, de Kafka. Porém, tal efeito é atingido pela colagem ou sampler de (segundo o próprio thiago) “O Diário de Moscou”, de Walter Benjamin que é incorporado pelo texto de thiago (e reescrito por ele), que dialoga com a narrativa das origens da vida, das transformações por que passa o narrador, num tempo muito antigo e muito moderno de discursos que se mesclam (ensaio, ficção) e se modificam e se transformam como diz o narrador de “O mar e o rio de Jacó”: “nada é fixo nem imóvel no coração senão a própria correnteza”.

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