Após um intervalo de quase três meses (que para mim pareceu uma
eternidade), volto a escrever para os leitores de Crítica & Arte.
Mas o que foi que me levou a deixar de postar artigos neste blog tão
querido por mim?
É que venho trabalhando na preparação de edições críticas e na escrita de
um novo romance, além de dar e preparar aulas de Crítica Textual/Ecdótica I,
orientar alunos e de cuidar do que chamam de vida pessoal, sem se darem conta de
que o trabalho também é parte (e boa parte) da vida pessoal da maioria dos
seres humanos.
Bem, chega de digressões. Vamos ao artigo que, neste caso, é uma resenha.
Li há pouco tempo o livro Visões e
Revisões em Literatura Comparada, de Delia Cambreiro.
Delia Cambeiro é professora da UERJ e Visões
e Revisões saiu pela H.P. Comunicação Editora, em 2010, com apoio da bolsa
de pesquisa do Programa PROCIÊNCIA da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
dado à autora.
O livro conta com onze capítulos que levam os leitores a uma viagem no
tempo e no espaço a bordo de estudos de Literatura Comparada sobre obras não
muito divulgadas nos dias de hoje, pelo menos no Rio de Janeiro.
Abre o volume, o artigo “O desembarcadoiro poético de Reynaldo Valinho” em
que a poesia desse autor dialoga com a Galiza, como era de se esperar, mas
também com outras tradições literárias sem se esquecer da modernidade e da
solidão da vida em cidades como o Rio de Janeiro. Tal poesia é valorizada por
sua temática, inclusive próxima de nós, leitores, e por suas ricas experiências
formais como é o caso de Canto em si, por
exemplo.
Segue esse capítulo, os artigos “Um estudo comparado sobre Cantigas de
Amigo na Literatura Italiana” e “San Francesco di Assisi e Jacopone da Todi:
due manifestazioni del Sacrato nella Poesia Religiosa Italiana”, esse último
escrito e publicado em italiano.
É interessante e importante ressaltar que a passagem de um capítulo para
outro se dá de forma suave, tranquila, sem paradas bruscas e mesmo
sobressaltos, pois os capítulos que formam Visões
e Revisões são como que encadeados, lembrando a estrutura de cantigas
medievais. Ou seja, apresentam por vezes sutis ligações entre eles, o que
facilita a viagem de aprendizagem do leitor ao longo de suas páginas.
Há ainda os capítulos: “A permanência da tradição clássica na literatura
italiana. A poesia de Ugo Foscolo.”; “Carlo Goldoni sem máscara. A Commedia dell’arte ao Teatro nuovo” ; “Os setecentos anos de
Francesco Petrarca ou um rito de passagem poético”; “Dos confins das rias
galegas às paisagens urbanas. Uma leitura da poesia de Reynaldo Valinho
Alvarez”; “Máis alá! – a chamada iconoclasta da literatura galega”, todos eles
de vivo interesse para o leitor, que, na maior parte dos casos, não tem muitas
oportunidades de adentrar pelos amplos caminhos contidos nessas obras (e
abertos por elas). Contudo, os artigos
que mais chamaram a minha atenção foram: “A chaga física no corpo da Idade
Média. Reflexões sobre A história das
minhas desgraças, de Pedro Abelardo”; “Caminhos de Eros sob a ótica da
cristalização. Uma mirada sobre as figuras literárias de Heloísa, Mariana
Alcoforado e Adèle Hugo” e “No ano Sciascia, uma reflexão sobre Ética e Justiça
com as vozes de Iván Turgueniev e Susan Sontag”.
Em “A chaga física no corpo da
Idade Média. [...]”, a autora escreve sobre a paixão de Adelardo e Heloísa, contextualizando
esse amor e os problemas enfrentados por seus protagonistas para vivenciá-lo,
problemas esses que fizeram com que Adelardo renunciasse a esse amor e que, a
pedido de Abelardo, Heloísa fosse para o convento. Délia chega a fazer
referência à questão da autenticidade das cartas e à possibilidade de sua natureza
ficcional, contudo, não são esses os assuntos principais desse artigo. E a
figura de Heloísa emerge de suas páginas como a de uma mulher de grande coragem
e bem a frente de seu tempo.
Em “Caminhos de Eros [...]”, Delia
nos fala sobre o tema da cristalização – presente no livro Do amor, de Stendhal, que ela toma como ponto de partida sobre o assunto - e sobre mulheres que viveram paixões
arrebatadoras, mas não necessariamente correspondidas e felizes. Novamente,
Heloísa emerge das páginas de Visões e
Revisões, agora ao lado de Mariana Alcoforado e de Adèle Hugo.
Nesse artigo, o leitor chega a sentir a força dessas mulheres que foram
fiéis ao que acreditavam e ao que sentiam.
Já em “No ano Sciascia [...]”, Délia nos aproxima da obra desse autor
pouco divulgado no Brasil, mas que tem uma obra que dialoga com questões como
justiça, lealdade, corrupção, além de a autora trazer à baila uma discussão
sobre o papel do escritor na sociedade, não se esquecendo de citar o hoje um
tanto esquecido Qu’est-ce que la
littérature?, de Jean-Paul Sartre.
E da leitura de Visões e Revisões
em Literatura Comparada fica também o espanto de que livros tão
interessantes e plenos de potencialidade de fomentar o surgimento de novos
leitores não sejam tão divulgados entre nós.
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