quarta-feira, 7 de agosto de 2013

AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO

AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO[1]
                                                    

Estou aqui hoje porque acredito que não podemos continuar como muitos de nós estavam: vivendo como mortos-vivos nas cidades comandadas pela lógica do capital que não leva em conta a humanidade que somos todos nós.
Somos, cada um de nós, mortais e não podemos acreditar que as utopias morreram, que elas são fantasias, que não podem ser transformadas em realidade. Não. Elas são sonhos e sonhos não envelhecem, alimentam as transformações do mundo e os sonhos “aguardam secretamente o despertar”[2].
Em junho, vimos que o Brasil, como outros países do mundo, despertou.
Mas, é uma parte do Brasil e do mundo que despertou. Outras partes permanecem anestesiadas pela mídia (e não só por ela) e pelo cotidiano que adestra envelhecendo a juventude que habita cada um de nós.
De alguma forma, os que acordaram estavam acumulando forças, saberes, conhecimento para aquele momento e para outros que virão.
Alguns nunca dormiram. Estavam em movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e mesmo em suas casas, educando seus filhos e suas filhas, não cansavam de criticar os horrores e os crimes dos agentes do capitalismo. Muitos desses pais e dessas mães estavam nas passeatas dos anos 80, por exemplo, e tinham um sonho – e foram para as ruas por causa dele – de um Brasil e de um mundo melhor, mais justo, mais livre, mais democrático, com mais igualdade para todos.
Alguns militavam também por meio da arte. Disse uma parte da mídia com ironia: “Tantas pessoas nas ruas? Ora! Foi a classe média que veio para as ruas”. Sabemos que não foi apenas a classe média que veio para as ruas, mas alguns dessa classe e não só, possivelmente, foram influenciados por pelo menos dois filmes que estavam em cartaz (um deles ainda está): Os Miseráveis, baseado em romance homônimo de autoria de Victor Hugo e Depois de Maio (esse ainda está em cartaz), de Olivier Assayas, e por um filme que esteve nas telas, na primeira década deste século, V de Vingança, baseado numa série em quadrinhos de Alan Moore e David Lloyd.
Nesses filmes, pessoas acreditam e lutam e vão para as ruas lutar por um mundo melhor. Dá para sentir a liberdade que brota dessas ações e desse querer. Uma liberdade muito distante daquela cantada e decantada pelo neoliberalismo: a liberdade do “livre” comércio, do comprar e do vender.
V de Vingança (não de vender) – além de dialogar com o Anarquismo, fortalecido no início desse século e que tem papel relevante na convocação e na mobilização das manifestações de junho – dialoga com uma ideia de Walter Benjamim, traduzida pelas seguintes palavras de Leandro Konder: [...] a revolução, por sua própria radicalidade, só pode se concretizar se puder contar com energias provenientes da redenção simbólica dos lutadores do passado, que poderiam fortalecer nossa débil “carga messiânica”[3]. Por meio dessas palavras (e de sua prática), dialogo com Eça, com Antero, com os que participaram das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com Machado de Assis, com Lima Barreto, com Sartre, com Simone de Beauvoir e com todos os que lutaram e foram para as ruas por um mundo melhor.
 Queremos um mundo melhor. No intuito de realizar esse desejo, muitos de nós votaram no PT e o que ocorreu?
O PT continuou e em muitas frentes aprofundou a política empreendida pelo PSDB.
Será que há alternância de poder no Brasil?  Justiça, igualdade e democracia plena, sabemos que não.
A Universidade - que chamados de pública - é pública porque é mantida com dinheiro público e não pagamos diretamente por seus serviços. Contudo, todos têm acesso a ela? Podem, todas e todos aqueles que querem estudar, frequentá-la como alunas e alunos regulares e oficiais?
  Sabemos que não e o acesso é negado a essas pessoas assim que elas nascem. Temos, portanto, que ampliar o sentido de público nas Universidades.
  A República, de Platão, texto que fala, entre outros temas, sobre o governo da cidade, tem início com uma indagação sobre a Justiça.
A justiça que nos falta hoje e desde o dia que habitantes do dito Velho Mundo chegaram nestas terras, trazendo espelhos, quinquilharias, à procura de ouro, muito ouro, para satisfazer sua sede mercantilista.
Pode o mais forte sempre dominar? É isto que queremos?
E o Contrato Social? E a construção das cidades, segundo alguns, tornadas realidade para amenizar ou mesmo excluir a seleção natural? Não. Nada disso adiantou. Lembramos com Voltaire que injustiça gera injustiça e parte significativa da agressividade que foi sufocada para que tivéssemos o que chamamos de civilização, que nos dá, segundo Freud, tanto mal-estar, foi usada contra o (conforme a ideologia dominante) diferente, contra aquele e contra aquela que não fazem parte da burguesia que transforma com seu discurso, com suas ações quase tudo e quase todos e todas em mercadoria.
Passaram-se anos, séculos, colônia, império, monarquia, república velha, nova e o Brasil nunca teve um governo para todos.
Não. Definitivamente, não foi por 20 centavos que fomos para as ruas. Queremos (e vamos lutar por isto) viver sem tempos mortos, num mundo em que: “No lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é pressuposto para o livre desenvolvimento de todos”.[4]  





[1] Texto lido na abertura do Debate promovido no Instituto de Letras da UFF, no dia 10 de julho, sobre as Manifestações de Junho. O evento contou com a participação de Sonia Lucio (Professora da UFF e membro da ADUFF), Renato Consentino ( Comitê Rio Popular Rio Copa e Olimpíadas) e Iara Moura (Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social). O debate foi organizado por Rodrigo Octávio Cardoso e por mim e o texto aqui postado é de minha responsabilidade e de minha autoria.  
[2]  Palavras de Walter Benjamim citadas por Leandro Konder em:  KONDER, Leandro. Marx, Engels e a utopia. In: COUTINHO, Carlos Nelson et al. O Manifesto Comunista 150 Anos Depois: Karl Marx, Friedrich Engels. São Paulo: Contraponto/Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 72.
[3] KONDER, Leandro. Marx, Engels e a utopia. In: COUTINHO, Carlos Nelson et al. O Manifesto Comunista 150 Anos Depois: Karl Marx, Friedrich Engels. São Paulo: Contraponto/Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 72.
[4] MARX, Karl/ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. In: COUTINHO, Carlos Nelson et al. O Manifesto Comunista 150 Anos Depois: Karl Marx, Friedrich Engels. São Paulo: Contraponto/Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 29.

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