domingo, 13 de outubro de 2013

A Propósito do Discurso de Luiz Ruffato

Certa vez, José Saramago disse que escrevia porque não queria morrer. Com o tempo, mudou e passou a escrever para compreender o que é um ser humano.
Agora em outubro, mais precisamente no dia 8, o escritor Luiz Ruffato proferiu um discurso na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, evento que teve o Brasil como país homenageado.  Nesse discurso, o autor de Eles eram muitos cavalos trouxe a público aspectos pouco nomeados e constantemente silenciados do dia a dia em solo brasileiro e da história do nosso país, um país onde, como disse Ruffato, “[...] o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora [...]”[1].
As palavras proferidas por Ruffato naquele discurso de abertura se irmanam com a visão de Literatura expressa por escritores como Lima Barreto, o criador de Isaias Caminha, por exemplo, e mais do que isso, tornam mais evidente que a Literatura não é feita apenas, como queriam e postulavam alguns, por meio do exercício do privilégio do significante sobre o significado e que o escritor tem algo a dizer, algo que vai muito além de um mero jogo de metalinguagem.
Filósofos como Sartre, hoje tão esquecidos em muitos dos meios acadêmicos brasileiros, na área de Letras, já atentavam para o papel do intelectual em países da periferia de um mundo quase todo dominado pela lógica do capital. Contudo, na atualidade, ainda é mantida a hegemonia de um conceito de Literatura muito ligado ao isolamento e ao distanciamento das palavras dos seres humanos e do mundo real, mundo esse transformado por alguns em quimera, em praticamente impossível de ser conhecido pela razão e pelos sentidos. Dizem alguns, parafraseando Fernando Pessoa: “o poeta é um fingidor”. Porém se esquecem dos versos que seguem aquele primeiro verso de “Autopsicografia”: “Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente”.[2] Além disso, os mesmos corifeus de uma Literatura desligada do mundo, defendem que esse tipo de Literatura é a Literatura na sua totalidade, que não existe Literatura além disso. Ou seja, tomam uma parte pelo todo.
 Há muitas formas de Literatura, assim como há muitos tipos de escritores e de escritoras, alguns se mantêm em silêncio sobre a conjuntura atual, mesmo tendo acesso aos meios de comunicação mais tradicionais, aliás, meios esses bastante fechados no Brasil. Outros, tomam a decisão de falar e consideram, assim como Ruffato, escrever um compromisso.
Dizia Isaias Caminha, citando Taine, na “Breve Notícia” que abre as suas Recordações: “[...] a obra d’arte tem por fim dizer aquilo que os simples fatos não dizem”.[3]
O que alimenta a Literatura? O que dá vida às palavras?
Podemos dizer: a própria vida que é movimento constante e constante transformação. Mas a vida não está livre e imune das condições materiais de existências dos seres vivos sobre a Terra. Não. Não está. E tais condições são também matéria da Literatura, mas não toda a Literatura, que abraça muitas formas de fazer e de construir textos e seus autores e suas autoras não se dividem entre escritores e escreventes, como consta em livros vindos de longe, cultuados ainda hoje no Brasil, pelo simples fato de optarem por um papel ativo, revolucionário na transformação do mundo.
Um escritor não é menor por querer compreender o que é um ser humano, por considerar escrever um compromisso. Saramago e Ruffato são bons exemplos desses tipos de escritores.
Está na hora de a nossa crítica literária e de as nossas Universidades se abrirem verdadeiramente ao diálogo entre diferentes correntes teóricas e práticas literárias, sem que haja o esquecimento daqueles, daquelas e daquilo que lhes seja diferente e mesmo antagônico.
O inferno pode ser os outros, mas eles também são a nossa salvação[4].  
  

  
  




[3] In: LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Recordações do Escrivão Isaias Caminha. Rio de Janeiro: A. de Azevedo, & Costa, 1917, p. XI.
   Realizamos uma transcrição crítica atualizada da frase que citamos. Mantivemos o apóstrofe por uma questão de musicalidade do texto,
[4] Referência a uma famosa frase de Sartre: “O inferno são os outros”. 

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