Capítulo XXIII – Revolução em Coimbra
Tal qual Maio de 68, uma primavera estonteante, cravos brancos e vermelhos: a Revolução de Abril.
Pelo rádio assisto a seus movimentos. E não acredito que um grupo de pessoas teve a coragem de romper o tédio dos dias. Sustentar a flor do amanhã. A flor que nasce no asfalto, como escreveu o Poeta brasileiro. Nas ruas, nas praças, nas casas. No coração das pessoas. Nos atos das gentes. De Lisboa. A bela Lisboa. Ao Sul, ao Norte. Nas Ilhas. Em Coimbra. A mesma Coimbra da crise acadêmica de 69, quando o protesto estudantil se fez ouvir. A Coimbra de Antero e de Eça de Queirós.
De um sonho cultivado brotou a realidade de Abril. De uma fresta da rotina, avistou-se a mudança. Como sustentar a infelicidade diante da possibilidade de mudança? Como sofrer a resignação de um tempo mesquinho, de uma vida mesquinha diante de tudo o que sonha e pulsa e vive e ousa ser o que é? Como permanecer imóvel diante do vermelho, do branco dos cravos da Revolução de Abril?
Meus livros, minha biblioteca, minhas estantes, todos eles guardam palavras prontas a fabricar o gosto pela liberdade. Através de Fénelon, recebo os ensinamentos dados a Telêmaco, filho de Ulisses, o grande navegante; de Machado, a amargura e a ironia do mundo; de Eça, a sensualidade e a esperança; de Antero, a poesia como missão. E atravesso pontes, mares, montanhas, tempo e espaço Ouço a voz de Voltaire, Montesquieu. Divirto-me com o Cândido ou o Otimismo. Leio as Cartas Persas. Conheço os seis continentes. Aproximo-me do mundo, das mulheres, dos homens, meus contemporâneos. Recito Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Florbela Espanca, Vergílio Ferreira, Sophia de Mello Brainer Andressen. Em todos os jardins. Sou, como escreveu Drummond: do tempo presente, da vida presente. Sou também o que veio antes e o que virá depois de mim.
Pela Rádio, assisto aos estudantes de Coimbra que caminham pelas ruas. Sua juventude é muito mais do que uma idade: é uma atitude. E contagia e leva consigo a atenção daqueles que ainda não crêem em um novo dia. Abre as portas da Universidade. Semeia o novo em solo centenário.
Eu, Eduardo Machado, estou em meu quarto a acompanhar as notícias pela Rádio. Mas, meu pensamento encontra-se com todos os que sonharam e com todos os que constroem a quinta-feira de Abril.
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