Ontem,
penúltimo dia de março, mês em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, terminei de ler Mulheres,
Cultura e Política, de Angela Davis, na edição publicada em português pela
Boitempo, em 2017, com tradução de Heci Regina Candiani.
É
uma obra muito bem-vinda e de leitura necessária, especialmente, nestes tempos
de ataques à vida, aos direitos humanos, de golpe no Brasil e de
recrudescimento do fascismo em nosso país e em várias partes do mundo.
Além
de defender e divulgar o feminismo e de demostrar, inclusive para quem ainda
teima em não ver, a necessidade premente de combatermos o racismo, para termos
uma sociedade mais igualitária e verdadeiramente democrática, fala também de
literatura, de música e de fotografia, além de desenhar um importante perfil
dos governos Reagan, nos Estados Unidos e a atuação desse governo em termos
internacionais, governo esse que deu forte apoio ao apartheid, na África do Sul, por exemplo, num tempo também de
grandes ataques aos direitos de trabalhadores e de trabalhadoras, especialmente
de pessoas negras e de demais etnias não brancas e de brancos de classes menos
favorecidas economicamente também nos EUA.
A
obra nos apresenta discursos de Angela Davis escritos e realizados na década de
80 do século XX, a maior parte deles proferida em Universidades, e reunidos em
livro em 1989 e 1990.
E eu me pergunto por que tais discursos não
foram, àquela época, amplamente divulgados aqui no Brasil?
Talvez
porque, no final dos anos 80 e em 1990, estávamos saindo de uma ditadura que
durou 21 anos a partir do golpe civil-empresarial-militar de 31 de março/1 de
abril de 1964 e vivíamos fortes reflexos da Guerra Fria e de uma política
estadunidense que teimava e teima em enxergar o Brasil como quintal de sua
casa.
Voltando ao livro de Angela Davis,
ele nos apresenta parte da potência do ativismo político da autora, seu estilo
direto, poético, poderoso e que promove o empoderamento de nós mulheres e de
todas e todos as/os oprimidos/oprimidas, especialmente, das mulheres negras, dialogando
poesia e conceitos filosóficos com exemplos retirados de sua prática e nos dá a
conhecer poetas como June Jordan, Nicky Finney – para citar algumas grandes
poetas– e também não deixa de lembrar o nome de fotógrafos, cantores e
cantoras, ativistas, intelectuais (entre eles o de Clara Zetkin) que contribuíram
e que contribuem com suas ações, seus trabalho e o que ficou de seus trabalhos para
a construção de movimentos que ajudaram e que ajudam a, no dizer de Angela
Davis, “em alguma medida a despertar e a encorajar esse novo ativismo”.
E
por falar em novo ativismo, não podemos nos esquecer que a palavra de Angela
Davis teve forte influência na construção do 8 de Março de pelo menos 2017 para
cá e que, em julho de 2017, Angela Davis esteve no Brasil, na UFBA, e aquele
discurso, transmitido também pela internet, fomentou o ativismo, fortaleceu o
feminismo e a luta contra o autoritarismo, o racismo e toda a forma de
exclusão, opressão e ataque aos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores em
nosso país.
Seus
discursos, divididos em três seções ( Sobre as mulheres e a busca por igualdade
e paz; Sobre questões educacionais e Sobre educação e cultura), nos aproximam
da África, da América Latina, como também de uma parte dos Estados Unidos
progressista, não imperialista e da luta a favor do desarmamento nuclear.
Recentemente,
ela assinou um documento que pede justiça para Marielle Franco, vereadora
brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, e para Anderson Gomes, também brutalmente
assassinado nesse mesmo dia, no Rio de Janeiro, juntamente com Marielle
E em Mulheres, Cultura e Política, há um trecho de um poema de Nicky Finney, que muito bem poderia ser hoje dedicado também à Marielle Franco:
E em Mulheres, Cultura e Política, há um trecho de um poema de Nicky Finney, que muito bem poderia ser hoje dedicado também à Marielle Franco:
Eles sempre colocam as mãos
primeiro nas mulheres
fazem isso para ganhar a vida
fazem para provar seu ponto de
vista
arrancando o coração
sempre fica um buraco
grande o suficiente para as balas
se infiltrarem
eles batem
nas mulheres gentis bravias
primeiro
e quando eles fazem isso
eles não sabem
que estão tocando rocha [1]
Marielle
Franco também era ativista e suas palavras, suas ações, seu sorriso forte,
poderoso e bondoso contribuíram e contribuem para o processo de empoderamento
de muitas mulheres da classe trabalhadora, inclusive e sobretudo das mulheres negras,
e ela, como suas palavras e sua energia, continuam e continuarão vivas entre
nós, agora e sempre!
Quanto
aos discursos de Angela Davis, assim como Marielle Franco, são semente de um
mundo mais igualitário, fraterno, livre, justo, sem machismo, sem racismo, sem
lgbtfobia, sem imperialismo, sem qualquer forma de opressão, porque não haverá
nem opressores nem oprimidos e, sim, seres humanos que viverão, plenamente sua
humanidade, enfim, em liberdade, em igualdade, em fraternidade, inclusive em
harmonia com os demais seres que habitam a Terra em comunhão com o Cosmos.
[1] Trecho de um Poema de Nicky Finney citado como epígrafe de um discurso de Angela Davis
intitulado: Quando uma mulher é uma rocha: reflexes sobre a autobiografia de
Winnie Mandela, publicado em Mulheres,
Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 89.
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