sábado, 31 de março de 2018

Sobre Mulheres, Cultura e Política


   

Ontem, penúltimo dia de março, mês em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, terminei de ler Mulheres, Cultura e Política, de Angela Davis, na edição publicada em português pela Boitempo, em 2017, com tradução de Heci Regina Candiani.
É uma obra muito bem-vinda e de leitura necessária, especialmente, nestes tempos de ataques à vida, aos direitos humanos, de golpe no Brasil e de recrudescimento do fascismo em nosso país e em várias partes do mundo.
Além de defender e divulgar o feminismo e de demostrar, inclusive para quem ainda teima em não ver, a necessidade premente de combatermos o racismo, para termos uma sociedade mais igualitária e verdadeiramente democrática, fala também de literatura, de música e de fotografia, além de desenhar um importante perfil dos governos Reagan, nos Estados Unidos e a atuação desse governo em termos internacionais, governo esse que deu forte apoio ao apartheid, na África do Sul, por exemplo, num tempo também de grandes ataques aos direitos de trabalhadores e de trabalhadoras, especialmente de pessoas negras e de demais etnias não brancas e de brancos de classes menos favorecidas economicamente também nos EUA.  
A obra nos apresenta discursos de Angela Davis escritos e realizados na década de 80 do século XX, a maior parte deles proferida em Universidades, e reunidos em livro em 1989 e 1990.  
  E eu me pergunto por que tais discursos não foram, àquela época, amplamente divulgados aqui no Brasil?
  Talvez porque, no final dos anos 80 e em 1990, estávamos saindo de uma ditadura que durou 21 anos a partir do golpe civil-empresarial-militar de 31 de março/1 de abril de 1964 e vivíamos fortes reflexos da Guerra Fria e de uma política estadunidense que teimava e teima em enxergar o Brasil como quintal de sua casa.
             Voltando ao livro de Angela Davis, ele nos apresenta parte da potência do ativismo político da autora, seu estilo direto, poético, poderoso e que promove o empoderamento de nós mulheres e de todas e todos as/os oprimidos/oprimidas, especialmente, das mulheres negras, dialogando poesia e conceitos filosóficos com exemplos retirados de sua prática e nos dá a conhecer poetas como June Jordan, Nicky Finney – para citar algumas grandes poetas– e também não deixa de lembrar o nome de fotógrafos, cantores e cantoras, ativistas, intelectuais (entre eles o de Clara Zetkin) que contribuíram e que contribuem com suas ações, seus trabalho e o que ficou de seus trabalhos para a construção de movimentos que ajudaram e que ajudam a, no dizer de Angela Davis, “em alguma medida a despertar e a encorajar esse novo ativismo”.
E por falar em novo ativismo, não podemos nos esquecer que a palavra de Angela Davis teve forte influência na construção do 8 de Março de pelo menos 2017 para cá e que, em julho de 2017, Angela Davis esteve no Brasil, na UFBA, e aquele discurso, transmitido também pela internet, fomentou o ativismo, fortaleceu o feminismo e a luta contra o autoritarismo, o racismo e toda a forma de exclusão, opressão e ataque aos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores em nosso país.
Seus discursos, divididos em três seções ( Sobre as mulheres e a busca por igualdade e paz; Sobre questões educacionais e Sobre educação e cultura), nos aproximam da África, da América Latina, como também de uma parte dos Estados Unidos progressista, não imperialista e da luta a favor do desarmamento nuclear.
Recentemente, ela assinou um documento que pede justiça para Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada em 14 de março de 2018, e para Anderson Gomes, também brutalmente assassinado nesse mesmo dia, no Rio de Janeiro, juntamente com Marielle 
 E em Mulheres, Cultura e Política, há um trecho de um poema de  Nicky Finney, que muito bem poderia ser hoje dedicado também à Marielle Franco:

Eles sempre colocam as mãos
primeiro nas mulheres
fazem isso para ganhar a vida
fazem para provar seu ponto de vista
arrancando o coração
sempre fica um buraco
grande o suficiente para as balas
se infiltrarem

eles batem
nas mulheres gentis bravias
primeiro
e quando eles fazem isso
eles não sabem
que estão tocando rocha [1]
  
Marielle Franco também era ativista e suas palavras, suas ações, seu sorriso forte, poderoso e bondoso contribuíram e contribuem para o processo de empoderamento de muitas mulheres da classe trabalhadora, inclusive e sobretudo das mulheres negras, e ela, como suas palavras e sua energia, continuam e continuarão vivas entre nós, agora e sempre!
Quanto aos discursos de Angela Davis, assim como Marielle Franco, são semente de um mundo mais igualitário, fraterno, livre, justo, sem machismo, sem racismo, sem lgbtfobia, sem imperialismo, sem qualquer forma de opressão, porque não haverá nem opressores nem oprimidos e, sim, seres humanos que viverão, plenamente sua humanidade, enfim, em liberdade, em igualdade, em fraternidade, inclusive em harmonia com os demais seres que habitam a Terra em comunhão com o Cosmos.




[1] Trecho de um Poema de Nicky Finney citado como epígrafe de um discurso de Angela Davis intitulado: Quando uma mulher é uma rocha: reflexes sobre a autobiografia de Winnie Mandela, publicado em Mulheres, Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 89.

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