Nestes tempos de pandemia,
em que o Brasil cada vez mais vive uma espécie de pesadelo – morte de mais de 1000 pessoas por dia,
vítimas de COVID-19; devastação da Amazônia ; o país desacreditado; autoritarismo exacerbado; ataques à educação pela tentativa de implementação da EAD até mesmo
no ensino presencial público; desigualdade galopante; fomento à misoginia, ao
racismo, à homofobia – é muito triste.
Neste momento, em que a
ameaça do crescimento do fascismo assombra o futuro do nosso país e de nós
mesmos, eu me lembro de uma fala de meu pai que, certa vez, me disse: "Ceila,
quem tem um livro, nunca está sozinho".
Lembro-me também de uma frase de Carolina
Maria de Jesus: “Quem não tem amigo, mas tem um livro, tem uma estrada.”
Recordo-me ainda de palavras de Caetano
Veloso, em uma entrevista (ainda me lembro delas): “quem sabe tocar um
instrumento, nunca está sozinho”.
Um livro. Um instrumento musical.
Infelizmente, ainda não sei tocar um
instrumento musical. Pretendo aprender. Contudo, ainda não foi possível, apesar
da vontade.
Outra lembrança: quando ainda era criança, fui
a um concerto de piano com meu pai. Lembro-me que chorei de emoção e que me
alegrei imensamente de ouvir aqueles sons e que pensei, inclusive, em ser pianista.
Mas, minha mãe não gostou da ideia. Acho que o piano, para ela, tinha um quê de
sujeição, de obrigação que ela não queria para mim. Então fui buscar alento num
livro de Cecília Meireles. E para a minha surpresa, quantos sons havia lá! Fiquei
maravilhada! Na altura, já tinha me apaixonado pela literatura e aquele livro (Ou Isto ou Aquilo) aprofundou aquela minha paixão que há muito se transformou em
amor.
É muito difícil eu não estar acompanhada por
um livro. Antes dessa pandemia, quando pegava o metrô, tinha um ou dois livros na
bolsa em caso de querer variar de leitura durante o trajeto e só parava de ler,
quando algum músico, entrava no vagão, e começava a tocar uma canção, algumas vezes
do nordeste ou de alguma outra parte da América Latina.
Quantos sons, quantas
histórias que nos aproximam e que nos mostram que não estamos sozinhos e que
somos mais fortes do que parecemos ser.
No momento, estou lendo O Que Fazer?, de
Nikolai Tchernychevskii, em tradução de Angelo Segrillo, publicada pela Expressão
Popular, neste ano de 2020 (a primeira tradução desse romance, para a língua portuguesa, foi realizada pelo próprio Angelo Segrillo e saiu em 2015). E esse livro, que fez muita gente pensar e
contribuiu para que muitas e muitos agissem, tendo influenciado a Revolução Russa, nos transmite algo muito
importante, e, hoje, podemos dizer, vital: esperança na possibilidade de
construção de um novo mundo, sem perder a poesia, sim, como na passagem em que
Dmitriï Sergeevitch Lopukhov fala à Vera
Pavlovna:
[…] Não é estranho que você entenda e
guarde no coração esses pensamentos que seus livros não podiam descrever-lhe
claramente, Seus livros forma escritos por pessoas que estudaram esses
pensamentos quando eles ainda eran pensamentos. Esses pensamentos pareciam
surpreendentes, maravilhosos, e só. Mas agora esses pensamentos são visíveis na
vida real e foram escritos outros livros por outras pessoas que acham esses
pensamentos bons, mas que não há nada de surpreendente neles. E agora, Verinha,
esses pensamentos estão no ar, como aroma nos campos quando as flores
desabrocham. Penetram em toda parte. […]” p. 111-112.
Uma obra
que coloca em discussão outras obras da literatura mundial e que nos apresenta
uma personagem como Vera Pavlovna, muito a frente de seu tempo ou do que
imaginamos ter sido seu tempo, que, quando lemos o livro, também é o nosso
tempo. E Vera, a Verinha, continua a nos
propor algo novo. E não só ela, mas outras personagens também.
Recomendo vivamente a
leitura desse livro que, a cada dia, me surpreende e me convida a pensar, assim
como, tenho certeza, a muit@s que irão lê-lo, pelo tema tratado,
pela maneira que a história é contada em suas páginas, assim como pela proposta de literatura e
de sociedade nele presentes.
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