sexta-feira, 8 de maio de 2020

A vida não é leve


Diante do que vi e ouvi, nesta semana, assim como diante da morte de Flavio Migliaccio, de Aldir Blanc, de Rubem Fonseca , de Moraes Moreira e do crescente número de falecimentos por COVID-19 , tive que interromper o que vinha escrevendo neste blog para dizer:
Impossível  ficar leve diante da morte de tantas pessoas.
Impossível não se indignar diante das ações do Governo Federal , ainda mais durante esta pandemia.
Muita tristeza. Muita revolta. Muita incerteza.  Até quando vamos engolir a tristeza, a revolta e retroceder até que não sobre nada dos nossos sonhos, das nossas vidas? Até quando?
A insegurança domina as ruas, as praças, o dia a dia.
O vírus escancara a desigualdade no Brasil, um país rico que não distribuiu riqueza a seu povo. Somos como disse Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil: “uns desterrados em nossa terra”. Uns desterrados.  Em nossa terra?  
Lembro-me das palavras do grande Aldir Blanc, recentemente falecido, em decorrência da  COVID-19: “ o Brazil tá matando o Brasil “[1] . Alguns vão dizer, mas era um outro momento. Sim, um outro momento, mas essas palavras ainda se aplicam como uma luva aos dias de hoje, e precisam ecoar das nossas janelas até que uma flor nasça e cresça nas ruas. Mas quando?
 Até quando?  E, até lá, quanto vamos retroceder?
Numa reportagem, na tv, pessoas sem máscaras dizem que não têm medo (de adoecer?).  Se esqueceram, ou nunca souberam, o que é ser um ser humano. Riem dos que andam de máscaras. Riem dos que se protegem e protegem outros seres humanos.
Diante dessa imagem, eu me recordo das palavras de Gramsci: “O velho mundo está morrendo. O novo tarda em aparecer. E nessa meia luz surgem os monstros”. [2] Sim, os monstros. O riso muitas vezes é um sinal de perversidade.  O riso muitas vezes é sinal de que não restou  compaixão, solidariedade, sentimentos de que precisamos para construir um novo mundo em que as coisas não valham mais que as pessoas.
Até lá, parafraseando a grande Conceição Evaristo, combinamos de não morrer. [3]
Até lá, escrevo e escreverei para ter forças de continuar viva num país que diariamente nos assusta, nos maltrata, nos deprime, nos violenta. Um país que nos quer caladas, calados, bem quietinhas e quietinhos, fazendo o que a elite do atraso mandar[4].
 Até quando ?




[1] “Querelas do Brasil”, Aldir Blanc e Maurício Tapajós.
[3] Na obra de Conceição Evaristo, Olhos d´água, o título do conto: “A gente combinamos de não morrer” .
[4] Elite do atraso: expressão usada por Jessé Sousa e parte do título de um famoso livro desse autor.

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